Em 2014, antes da Copa do Mundo no
Brasil, tive um problema de saúde e não pude terminar algumas publicações que
estava preparando para o Blog.
Esta postagem é sobre
algumas questões referentes aos preparativos para o evento supracitado. Para
não perder a linha de raciocínio, depois deu ter finalmente me recuperado,
resolví termina-la para a ‘crítica invasora dos hackers’...
Há quase sete anos o
Brasil foi oficializado como sede da Copa do Mundo de 2014. Por muitos, naquele
período, este fato foi considerado uma grande ‘vitória’. No evento da candidatura oficial do Brasil em
Zurique estavam presentes várias personalidades brasileiras como Paulo Coelho,
Luiz Inácio Lula da Silva, Ricardo Teixeira, Marconi Perilo, Dunga e até
Romário, que hoje é um crítico ferrenho da CBF. À época, a opinião de Romário —
três anos antes da eleição de deputado — era outra. “O Brasil vai dar uma
demonstração sobre o que se deve fazer para receber, realmente, uma Copa do
Mundo”. Porém, hoje a visão de Romário é de que “a FIFA esteve aqui somente
pelo dinheiro. Coisas como transporte, que beneficiam as pessoas depois da
competição, ficaram prontas? Eles não se importam. Eles não se importam com o
que será deixado para trás.".
O ex-jogador criticou
também seus ex-companheiros de seleção brasileira, entusiastas e garotos
propaganda da Copa: "Ou Ronaldo e Bebeto não sabem o que está acontecendo,
ou estão fingindo que não sabem. De qualquer maneira, isso é ignorância”. O
agora senador da república chegou a dizer também que a organização da Copa foi
“o maior roubo da história do Brasil”.
O número de pessoas que manteve uma
impressão positiva sobre a Copa diminuiu consideravelmente com o decorrer dos
anos.
Diante
disso, o presente texto propõe-se a discorrer sobre os mais simples e
essenciais questionamentos sobre o evento...
Por quais meios?
O
período decisório da sede de 2014 foi acompanhado com muita expectativa pela
‘opinião pública’ e principalmente, pelo governo brasileiro. Com ‘ajuda’ da
‘grande imprensa’, foi-se estabelecendo no imaginário popular o quão seria
vantajoso e benéfico para o ‘povo brasileiro’ este evento futebolístico de
grande porte. E os poucos que, publicamente, se colocavam ‘contra’ ou
simplesmente questionavam ou alertavam para as prováveis consequências do
evento, eram tratados como “do contra”, “fatalistas” e outras nomenclaturas
pejorativas...
Ademais,
antes mesmos da anunciação, os métodos de avaliação aplicados pela Federação
Internacional de Futebol (FIFA) para a escolha do país sede já pareciam
bastante questionáveis e, posteriormente, a própria idoneidade da disputa foi
contestada.
No primeiro momento, a FIFA já
sentenciava a eleição de um país sul-americano; mesmo havendo pretensas
candidaturas de outros continentes - que nem chegaram a ser lançadas - mas que
estavam bem mais acostumadas e ‘preparadas’, pelo menos segundo os moldes da
FIFA, para receber a competição. Os Estados Unidos, por exemplo; que segundo o
próprio presidente da FIFA - Joseph Blatter - poderiam receber a copa do mundo
caso o Brasil desistisse; nem pôde oficializar sua candidatura, graças à
implantação do ‘sistema de rodízio continental’ para a escolha das sedes. O que
acabou oferecendo de novo a ‘oportunidade’ a um País Sul-Americano de sediar a
Copa do Mundo.
Já no dia 17 de
março de 2003, quatro anos antes da ‘escolha’ oficial, os dirigentes da
CONMEBOL (Confederação Sul-Americana de Futebol) se reuniram para encaminhar
sobre os ‘prováveis candidatos’ à organização da Copa. E, logo no dia seguinte,
já escolheram o Brasil como sede. Cessando a possibilidade da apresentação de
qualquer outro concorrente, mesmo entre os países adjacentes.
Ainda
assim, outros países, contrariados com a postura da FIFA, decidiram apresentar
seus projetos. Países que, em tese, se adequariam mais rápido ao ‘Padrão
Fifa’, como a China por exemplo. Deve-se levar em conta também a louvável
‘ponderação’ da ulterior decisão da Federação Colombiana de Futebol que admitiu
“não ter condições de arcar com os altos custos para adequar o país aos
encargos que a Fifa exige".
Contudo,
mesmo garantindo a ‘vitória’ ao Brasil, Joseph Blatter ainda anedotizou,
recomendando que o país se preparasse para o mundial "como se houvesse outros
três ou quatro candidatos".
A
própria escolha das subsedes foi bastante controversa. A CBF e o Governo
Brasileiro fizeram questão que fossem 12 sedes ao invés de 10, que até então
era o número limite para a FIFA...
A
‘disputa’ mais emblemática, dentre as 22 cidades que se candidataram - e que
deixou muito claro os verdadeiros ‘requisitos’ preponderantes para a ‘vitória’
- foi a de Belém ‘contra’ Manaus. De modo que, se fosse pela paixão do
torcedor, pelo posicionamento dos clubes no cenário brasileiro e a atual
estrutura do estádio, Belém seria a grande favorita. Porém, ganhou a cidade que
contém a ‘Zona Franca’, um deslocamento urbano menos ruim, um comércio mais
‘fluido’, uma melhor rede hoteleira; enfim; que oferece mais conforto à elite e
ao comércio.
O
povo paraense esbraveja até hoje dizendo que se houvesse um governo mais
‘forte’ e ‘influente’ a Copa ia pra Belém. Eu sempre respondo: “O Governador do
Estado poderia ser Ana Júlia, Jader Barbalho, Simão Jatene, José Sarney enfim,
até o Papa, não ia adiantar nada... A decisão já parecia ter sido tomada há
muito tempo...”.
O
próprio ‘Padrão Fifa’ imposto aos estádios parece ser um tanto europeizante,
detalhista e intransigente demais...
O
Morumbi (estádio do São Paulo), por exemplo, que é considerado um dos
melhores do Brasil, não acatou e não conseguiu entregar as garantias
financeiras referentes às obras ‘necessárias’ para o estádio se adequar ao tão
almejado ‘padrão’.
Outro
exemplo da complexidade deste contestável ‘padrão’ é a Arena da Baixada. O
então ministro dos esportes, Orlando Silva Jr, disse em 2006 que era “o único
estádio do Brasil com potencial de se adaptar aos moldes exigidos pela Fifa”.
Porém vimos que Curitiba por pouco não deixou de ser sede pelas dificuldades em
entregar garantias financeiras ao COOL para cumprir as exigências da FIFA ao
estádio do Atlético-PR.
Parece
que o prognóstico dos membros da ‘Comissão da FIFA’ em relatório publicado em
2007 não previa tantos ‘constrangimentos’...
Desconsiderando
todo este processo árduo de ‘decisão’, suas suspeitas e os seus desdobramentos.
O governo brasileiro, a mídia em geral (não só a esportiva) e os torcedores,
que seguiam toda esta ‘euforia’, eram praticamente unanimes no “pra frente
Brasil”, cantando vitória após a confirmação do país como sede da Copa de 2014.
Para quem?
Muitos
dizem que a Copa irá “gerar empregos”, “aumentará o turismo”, “melhorar a
estrutura do futebol brasileiro”, etc... Mas, infelizmente, não está sendo bem
assim...
Quais
os empregos que está gerando? Quais os empregos que megaeventos ou obras
monumentais ‘geram’?
São,
em geral, ‘empregos efêmeros’. E que não oferecem condições dignas de trabalho.
Analisemos os trabalhadores da construção civil por exemplo. Já são cinco
mortes contabilizadas nas construções dos estádios, enquanto a construtora
lucra trilhões.
Portanto
a Copa é para a Odebrecht, que lucra quantias assombrosas com os estádios, em
detrimento dos operários da construção civil com péssimas condições de
trabalho, baixa remuneração, eminente insalubridade e nenhuma estabilidade.
Os
estádios das subsedes da copa foram todos desmantelados e descaracterizados
para adaptar-se ao europeizante ‘padrão fifa’. A ‘Geral’ do maracanã não existe
mais. Não há ‘áreas populares nos novos estádios. Quanto custará o ingresso?
Quem poderá comprar?
A
copa é para a elite, é apenas para os brasileiros que detém condições
econômicas abastadas. Em detrimento da maioria dos brasileiros, do povo; da
massa, que assistirá a copa, como sempre, no canal de TV aberta que detém o
direito de transmissão do evento e provavelmente, ouvindo os velhos bordões dos
narradores óbvios de sempre.
Além
da elite brasileira, claro, teremos a estrangeira. Tudo que está sendo feito é
visando o bem estar deles. A súbita preocupação com hotelaria, mobilidade
urbana, ‘poluição visual’, etc. Não tem por objetivo a comodidade dos
brasileiros. Tanto que, o transporte público só piora e o preço da passagem só
aumenta.
Não
obstante, quem poderá fazer comércio? Quem poderá mercanciar?
Os
grandes empresários; os ‘parceiros comerciais’ da FIFA. Pois as famigeradas
Áreas de Restrição Comercial ocuparão o perímetro de, nada mais nada menos, de
2 km ao redor dos locais oficiais de competição. Somente empresas conveniadas à
entidade podem exercer o ‘livre comércio’.
Publicada
no começo de junho de 2012, a ‘Lei geral da Copa’ já limitara o comércio de
rua. No início de outubro a FIFA proibiu categoricamente a venda de acarajé nos
arredores dos estádios enquadrando as tradicionais baianas na condição de
vendedoras ambulantes.
A
Associação das Baianas de Acarajé e Vendedoras de Mingau (Abam) levou o caso
adiante e repercutiu até na mídia internacional, como nos sites da CBN News
(EUA) e Sport Balla (Alemanha).
Houveram
restrições também aos pequenos empresários que tinham estabelecimentos
localizados na chamada ‘área de restrição
comercial da FIFA’. Assim como restringiram o controverso uso da ‘marca
Fifa’, onde a entidade teria que autorizar publicação ou comercialização com o
emblema que fizessem qualquer referência à mesma.
Graças a este patrulhamento, foram
apreendidas bolas, bonecos, camisas, etc. Além disso, a FIFA proibiu propaganda,
vinculação, materiais e até o estacionamento de veículos de empresas não
patrocinadoras da Copa do Mundo de 2014 em ‘suas áreas’.
Com
todas estas restrições, tirando a panelinha da FIFA, quem mais ganhou
economicamente com o evento?
Por
Qual Motivo?
Devem ser levados em conta alguns
fatores para entender o por quê de tanto interesse da CBF, do Governo e de
parte da sociedade brasileira – destacando-se alguns cartéis empresariais
- em sediar o evento futebolístico,
mesmo sabendo as prováveis dificuldades que o Brasil iria fatalmente enfrentar.
Vivemos num país subdesenvolvido,
desigual socialmente, com problemas graves no sistema educacional, de saúde,
saneamento básico, transporte, etc... Disso, ‘todo mundo já sabe’... Analogamente,
o futebol brasileiro em si enfrenta uma série de dificuldades com relação ao
calendário, venda prematura de jovens jogadores, endividamento dos grandes
clubes, graves e dramáticas dificuldades financeiras dos pequenos clubes, além,
é claro, da corrupção por parte de dirigentes e empresários.
Agora,
considerando tudo isso, quais as prioridades de um governo ou de uma
confederação que decide receber um mega evento como a Copa do Mundo e deixa de
lado ou joga pra debaixo do tapete todos estes problemas?
O
ex-presidente Lula estava satisfeito com as exigências que a FIFA havia imposto
para a realização do evento: “O Brasil tem de assumir a responsabilidade por
muitas coisas, a começar pela infraestrutura. O que acontece fora dos estádios
não é da responsabilidade da CBF ou da Fifa. É de responsabilidade da cidade,
do estado e do governo federal”, destacou, em entrevista à Rádio Nacional, um
dia depois da confirmação como sede da Copa do Mundo
Tendo em vista o lucro que estão
tendo grandes empreiteiras, o lucros exorbitantes do COL (Comitê Organizador
Local da Copa do Mundo de 2014), o superfaturamento das obras nos estádios e
seus anexos, as barganhas praticadas entre os dirigentes na FIFA, os casos de
corrupção envolvendo o nome do então presidente da CBF Ricardo Teixeira, etc...
As manifestações de junho acabaram mostrando, dentre outras coisas, que o povo
finalmente se deu conta de quais os reais interesses por detrás da candidatura
do Brasil. Eram interesses privados em detrimento do interesse público.
Por Qual Legado?
O
ex-ministro do esporte – Orlando Silva – chegou a dizer que “a Copa do Mundo de
2014 será a oportunidade de desenvolvimento de que o Brasil necessita, tanto
para a modernização dos estádios de futebol como para a infraestrutura dos
municípios”. O seu sucessor –
Aldo Rebelo – também estava com um discurso entusiasta afirmando que a copa
seria “motivo de orgulho para os brasileiros; a copa vai ser uma grande festa;
posso dizer que temos a Copa do Mundo com o maior controle público, já
realizada em todo o mundo”.
Pois
bem, analisando a situação dos estádios e das cidades sedes não encontramos uma
realidade tão exitosa. Muito se falou em ‘padrão FIFA’, estádios multiuso,
porém o que podemos atestar hoje é que os estádios encontram-se em desuso,
praticamente abandonados, acabaram mesmo se tornando ‘elefantes brancos’. É
importante lembrar que, quando a Copa do Mundo foi realizada nos Estados
Unidos, nem sequer um estádio foi erguido para recebê-la, assim como a França,
quatro anos depois, construiu apenas um, o Stade de France, em Saint-Denis, nos
arredores de Paris.
No
Brasil, porém, o Maracanã foi demolido para ser feito outro, embora o lendário
santuário do futebol tenha sido reformado para os Jogos Pan-Americanos de 2007.
No Rio de Janeiro, por sinal, existe o mais moderno estádio do país, o
Engenhão, inaugurado no Pan e nem cogitado para receber jogos da Copa.
As
também propagadas obras de mobilidade urbana ficaram no discurso. Salvador foi
a primeira cidade-sede a cancelar uma obra de mobilidade. A construção de um
corredor de ônibus Bus Rapid Transport (BRT) foi riscada da lista de obras para
2014. Em seguida, Brasília cancelou a construção do Veículo Leve sobre Trilhos
(VLT).
E
olha que as autoridades tiveram tempo suficiente para planejar e realizar o
evento, segundo o próprio Ricardo Teixeira: "Normalmente, os países só
sabem que vão sediar a Copa seis anos antes, isso nos deu uma grande vantagem.
Temos muito tempo para trabalhar e podemos realizar isso aos poucos. O Brasil
está à altura do desafio", concluiu Teixeira.
O
então presidente da CBF garantiu também que esta seria a Copa da iniciativa
privada. Mas um estudo do Tribunal de Contas da União já demonstrou que nada
menos do que 98,5% do que se gastará para fazer a Copa será de dinheiro
público, do BNDES, da Infraero e da Caixa Econômica Federal, sem falar de
incentivos e isenções fiscais, porque, como se sabe, a Fifa não pagará nem um
tostão de impostos por tudo que disser respeito à Copa.
Porém não foi isso que se viu, a iniciativa
privada bancou apenas 16,91% dos custos para os estádios da Copa de 2014. O ‘poder
público’ gastou ao todo R$ 6,9 bilhões com as obras para o evento, sendo que R$
806 milhões foram destinados à estádios particulares: Itaquerão, Beira-Rio e
Arena da Baixada.
Houve
ainda problemas de grande impacto social, como as remoções involuntárias. O
tema foi destaque no jornal “The New York Times”, em março passado. O diário
informou que 170 mil pessoas devem ser despejadas até a Copa do Mundo e a
Olimpíada, para dar lugar a intervenções urbanas para os eventos. O problema é
que as indenizações estão bem abaixo do valor de mercado e, quando são
oferecidas moradias, as casas ficam a até 60 km de distância do local de
origem.
Vale
lembrar, ainda, a naturalidade com que os projetos das arenas desrespeitam a
lei que exige 4% dos assentos para deficientes físicos e pessoas com mobilidade
reduzida. Nos casos em que os projetos preveem reserva de vagas, elas se
limitam à margem de 1%, mínimo exigido pela FIFA. Como se as decisões da FIFA fossem
mais importantes que a legislação do país.
Esta
questão também foi destaque, a FIFA passou por cima de leis brasileiras, como
por exemplo, a liberação de bebidas alcoólicas nos estádios da Copa.
Por Que?
É
uma pergunta simples, mas parece que este tipo de questionamento não faz parte
do imaginário dos ‘líderes políticos brasileiros’...