sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Entrevista com o poeta João de Castro sobre o livro "Belo Monte - O Belo do Destruir".

Estives pensando nestas ultimas semanas no tema de minha 1ª publicação neste Blog. Teria de ser um assunto atual e que me despertasse bastante interesse e inquietude. Dentre os assuntos que pensei, sem dúvida, a Hidrelétrica de Belo Monte é o que mais contempla estes requisitos.
Porém, demorei um pouco para resolver qual a linha de raciocínio que o meu texto seguiria, pois já existem vários meios de comunicação, blogs, sites, etc.. Que já explicitam com bastante clareza e amplitude a construção de Belo Monte.
O tempo foi passando até que conheci o poeta João de Castro, comprei o livro “Belo Monte – O Belo do Destruir” junto a ele e como foi bastante solícito, tive a idéia de pedir uma entrevista sobre esta sua obra depois que eu a lesse.
Felizmente ele aceitou e eu ganhei uma excelente primeira publicação para o ‘Manifesto Engajado’.
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A Entrevista:

M.E – Gostaria que o Sr fizesse uma breve apresentação sobre a sua carreira, como conheceu a Literatura de Cordel e quais as suas principais influências?

J. de Castro: “Olha, eu sou de origem nordestina, sou pernambucano lá de Palmares e minha cidade é chamada de ‘Atenas pernambucana’ porque a cada esquina há um poeta, exageradamente falando e a minha linha poética não é uma linha de formação é uma linha poética de berço. Como eu sou nordestino e o nordeste prima muito pela questão da literatura de cordel eu comecei a trabalhar a l. de cordel e os meus primeiros versos foram todos versados sem querer ser redundante né? Pra depois eu partir para uma poesia mais solta mais contemporânea, mas a origem mesmo é a origem nordestina e sempre publiquei minhas obras na linguagem de cordel, obras polêmicas, principalmente aqui na Amazônia.

M.E – Mas o Sr não tem mesmo nenhum autor que lhe influenciou de alguma maneira ou a cultura artística partiu somente do sr?

J. de Castro: A partir do memento que eu não sou um poeta de formação, sou um poeta de berço, as minhas influências vem de mim mesmo, do meu cotidiano, eu pouco produzo uma obra na linha da ficção eu sempre produzo as minhas obras partindo do princípio da realidade em que estou vivendo, então eu nunca sofri influência nenhuma, ‘há’ do Castro Alves por exemplo que sempre escrevia rimado, não, a influência é própria, é de mim mesmo, assim eu produzo o meu trabalho e jogo no mercado.

M.E – A Literatura de Cordel tem a característica de ser engajada, é um estilo de poesia que prima pelo engajamento, pela transformação ou crônica de uma realidade vivida, todos os poetas de cordel tem a característica de serem engajados ou preocupados com a realidade?

J. de Castro: Sem dúvida, no nordeste o cordelista propriamente dito, ele parte muito do princípio das histórias que estão ocorrendo, das  novidades que estão ocorrendo e quando é uma novidade assim muito pública eles produzem. Por exemplo, aquela questão: ‘Lampião quando morreu, foi pro inferno ou foi pro céu?’
Então essas questões são muito notáveis para os cordelistas e eles aproveitam esses momentos para produzir o trabalho e jogar no mercado. É muito fácil a inspiração da linha poética de cordel porque você está vivenciando e a partir do momento que você ta vivenciando, ela flui e a grande preocupação dele é fazer a versação correta, que seja em quadro, quartilha ou quintilha ou sextilha ou sextilha e assim por diante... Que é a linha de nossos versos e esta linguagem de cordel vem de muito distante, vem desde o século XV e naquela época achavam que a Literatura de Cordel primeiro seria dos sábios depois disseram que seria uma literatura de cego porque eles molavam versando em praças públicas com uma cuia ou um recipiente, ou com um barbante, o barbante era utilizado para dependurar os cordéis e os livros publicados, mas na conotação do versar, do declamar em praça pública ainda é muito usado no nordeste pra vender ou pra angariar recursos com qualquer recipiente que se possa colocar alguma moeda lá dentro.

M.E – Olhando para o cenário artístico paraense, brasileiro e até mundial, o Sr não acha que está faltando uma arte mais engajada, uma arte revolucionária que tanto estava presente nos anos 60?

J. de Castro: O problema maior da arte é que a matéria prima para se publicar uma obra é uma matéria prima mais independente, falta-nos ainda o apoio, quer dor órgãos públicos, privados ou da sociedade como um todo em comprar, a venda do livro é um verdadeiro corpo a corpo que a gente chama até de ‘empurroterapia’, por exemplo: eu estou com esse trabalho aqui sobre a divisão do Pará, mas eu mesmo que to vendendo, eu estou ás vezes forçando que o leitor compre.

M.E - Não está à venda em nenhum lugar?

 J. de Castro: Não, não tem, não existe esse apoio institucional para publicarmos nossas obras. ‘Há’ se tivesse!
Parte de mim o dinheiro, a escrita, o produto e o pagamento da gráfica pra poder chegar ao mercado. Mas a gente não se desanima com isso e digas-se de passagem que todos os poetas de berço estão sempre produzindo as suas obras, aguardando, aguardando e no momento que vai oportunizando um dinheirinho aqui, um dinheirinho acolá, vai publicando e tentando colocar no mercado.
                       
M.E – Falando agora do seu livro sobre Belo Monte, que é o tema central da entrevista, como surgiu o interesse pelo tema?

J. de Castro: Olha, o tema surgiu desde 1989, quando eu fui um dos participantes e coordenador do 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, que veio índio de toda a parte, EUA, América do Sul, da Ásia, de todos os cantos do mundo vieram índios para discutir, naquela época estava no auge também o Sting.. e nós coordenamos enquanto Sociedade de Preservação dos Recursos Humanos e Culturais da Amazônia, junto ao ecologista Camilo Viana esse evento, e lá eu já publicava o livro: ‘As Hidrelétricas do Xingu’, com a conotação crítica,obviamente. Então 20 anos depois a questão de Belo Monte, aí eu comecei a trabalhar mais tecnicamente, porque até então naquela época falava-se apenas de estudos de impactos ambientais, então como eu me fundamentei no ‘Belo Monte – O Belo do Destruir’? Eu me fundamentei nos textos dos painéis de especialistas, que joga toda uma conotação científica, que vem o Antropólogo, que vem o Sociólogo, o Psicólogo, que vem um estudioso em matéria de hidrelétrica, que vem a pessoa com conhecimento em eletricidade, em royalties, etc e tal... Me baseei nele e publiquei o trabalho: ‘Belo Monte – O Belo do Destruir’ que sem dúvida nenhuma, ou modéstia, ta um trabalho muito completo.
Então eu me baseei na realidade e quem me deu a maior parte dos subsídios foi o movimento Xingu Vivo Para Sempre, quer de Belém, quer de Altamira principalmente.

M.E – Falando dos dados e das estatísticas que são utilizados no livro, esta é uma característica da Literatura de Cordel ou partiu do Sr esta pesquisa?

J. de Castro: Já é uma inovação de minha parte, quando eu publiquei o livro: “Água, Vida Água”, foi a primeira Literatura de Cordel escrita com cunho didático, assim sendo eu começo a inovar. Eu sou criticado por alguns cordelistas, principalmente lá do Nordeste, porque acham que dado a grande inovação que coloco nos meus cordéis, bem como o formato do livro, acham que eu estou ferindo o princípio ao descaracterizar a Literatura de Codel, mas na verdade, a maior riqueza está na preservação dos versos, são os versos que dão a caracterização da Literatura de Cordel propriamente dito. Portanto o formato fica por conta de cada criador, haja vista que nós já estamos no século XXI, se nós não inovarmos a coisa e ficarmos apenas nos impressos e xerocados, etc e tal... Nós iríamos cair num grande equívoco de em poucos anos a obra desaparecer, porque foi só xerocado e a letra desaparece. Por isso que nós inovamos e eu preservo muito a necessidade de ser um trabalho gráfico e as inovações de colocar algumas informações por escrito, fora da versação, que é uma inovação minha.

M.E – Gostaria que o Sr falasse agora sobre a sua relação com os povos do Xingu, já que o Sr morou em Altamira durante muito tempo, não é?

J. de Castro: Eu morei em Altamira de 1972 a 1989, e como eu desenvolvi um trabalho na área educacional, naquela época Fundação MOBRAL, nós desenvolvemos mobilizações, quer na Transamazônica, quer no Xingu, Baixo Xingu e Alto Xingu, com o programa de alfabetização, então chegamos a ir nas tribos indígenas no Alto Xingu: os ‘Kaiapós’, onde tivemos a oportunidades e felicidade de conhecer grandes guerreiros como o ‘Totopombo’, o filho ‘Tupaiacã’, e foi lá que começou toda a minha interação com os povos indígenas do Xingu e imediatamente nós criamos uma grande festa em São Felix do Xingu porque existia uma grande rivalidade, rivalidade mesmo, de ódio entre a cidade de São Felix e os índios ‘Kaiapós’, dados os grandes atritos da fase áurea da borracha na década de 20, na década de 10, na década de 30 e assim por diante... E nós começamos a realiza encontros de povos indígenas dentro da cidade. Os índios vinham, levavam seu folclore, suas danças típicas, as suas pinturas corporais e passavam em média uma semana na cidade, foi quando nós fizemos uma reaproximação de paz mesmo entre o índio e o homem branco daquela região. Então com isso aí, eu fiz muitas amizades, não só com ‘Tutopombo’, com ‘Raoni’, ‘Tupaiacã’ e outros... E foi com eles que começamos a organizar, já em 89, o encontro dos povos indígenas, porque existia uma reciprocidade entre a amizade deles e a amizade com o movimento ambientalista que eu participava e participo até hoje que é o da SOPREN, isso não dificultou porque a própria FUNAI viabilizou o nosso contato direto com os índios e depois que nós continuássemos esta amizade e trabalhando com uma ação preservacionista porque em muitas coisas nós não concordávamos, principalmente com os missionários que iam lá para as tribos indígenas, quer da religião católica, quer principalmente da religião evangélica, porque levavam toda uma complicação por condenar aquela preservação da religião do índio.

M.E – Sobre o livro, o Sr critica muito os meios em que foram discutidas esta hidrelétrica e a impossibilidade de participação popular. Como o Sr avalia a falta de diálogo com a população nesses grandes projetos?

J. de Castro: O impedimento do governo é expressivo nas audiências públicas, a exemplo de Altamira, as audiências públicas de Altamira foram de goela abaixo, ninguém teve a oportunidade, até mesmo os poderes públicos, o Ministério Público por exemplo ficou impedido de falar, e eles dizem, não é a toa que tem não sei quantas liminares por aí... Liminar barra; Liminar vem e cassa; e o Governo tem um movimento repressivo, que eu considero, dos anos 60 e 70, naquela época era o DOPS ou o SNI, hoje é a AGU (Advocacia Geral da União), porque hoje o MPF (Ministério Público Federal) coloca uma liminar suspendendo o projeto, a AGU do Governo vem e cassa a liminar. Então esse processo do Governo aí, desrespeitoso com as populações, não só com as populações indígenas e dos ‘povos da floresta’, mas com a sociedade como um todo. A sociedade civil com o Movimento Xingu Vivo Para Sempre nunca foram ouvidos. O Dom Hermes (Bispo de Altamira), teve uma audiência com o Lula e ele garantiu pra que a UHE de Belo Monte não iria ser empurrada de goela abaixo, o bispo mal se ausentou de Brasília, dois dias depois saiu: “Estão abertas as licitações para Belo Monte!”. Quer dizer, faltou com a verdade e foi antiético, mais antes ele tivesse dito para o Bispo: “Eu vou fazer!”. Não é verdade?
Que nem ele ta fazendo com a questão do Rio São Francisco até hoje. Então, essa falta de respeito pelas comunidades, porque não é só o fato de dizer não a Belo Monte, mas é o grande mal que irá fazer, não só à biodiversidade da Amazônia Xinguana, mas é todo um processo. Pra você ter uma idéia, o governo em 70 colonizou a Transamazônica, muitos trechos da Transamazônica serão atingidos pela barragem, então aquele colono que passou que passou 30 ou 40 anos construindo, plantando vai perder tudo e vais ser mal remunerado, vai ser uma indenização a toa e ele vai pra onde? Morar aonde?  Tem muitos questionamentos aí.
Na semana passada saiu uma liminar barrando porque existia a questão dos peixes ornamentais, mas não são só os peixes ornamentais, nós temos cavernas lá históricas, inexploradas, então nada disso eles estão respeitando, eles tão só querendo fazer e é uma hidrelétrica que não vai dar lucro porque dada a grande devastação da Amazônia, existem poucas chuvas no período de inverno naquela região, eu spu conhecedor de igarapés que já desapareceram, secaram literalmente.

M.E – O Sr não acha que nesses grandes projetos é que se deveriam fazer os plebiscitos já que são bem mais relevantes se comparado com questões como o desarmamento e a divisão do Pará?

J. de Castro: ‘Há’ se pudéssemos, porque um plebiscito como esse o Governo não ousa fazer, ousa fazer um plebiscito como o que está aí: a questão da divisão do Pará, porque é mais cômodo pra 3 ou 4 pessoas que querem porque querem permanecer no poder, querem concorrer ao Governo do Estado, querem concorrer à Senadoria, querem concorrer a Deputado Estadual, pra eles é cômodo esta questão da divisão do Pará.
Um ônus muito alto para todos nós que estamos pagando a eleição e vamos pagar mais caro ainda se ‘Deus o livre’ passar. Mas eles não ousariam fazer um plebiscito porque seria um plebiscito não só daqui da região, seria um plebiscito nacional e eles perderiam com certeza.

M.E – Qual a sua avaliação deste governo, que tinha a perspectiva de ser um governo mais popular e voltado pras massas?

J. de Castro: Atropelou-se um pouco a ideologia da política para as massas, atropelou-se completamente. Isso particularmente a mim como escritor me decepcionou muito, muito mesmo. E não são só estas duas questões que estão em cheque, a questão de Belo Monte e da divisão do Pará, são outras questões oriundas para a sociedade que eu tenho percebido, principalmente aqui na nossa região Xinguana.

M.E – O projeto Belo Monte, como o Sr disse, já vem se arrastando há muitos anos. Começou a ser construído agora no governo do PT, de maneira até surpreendente, sendo que este governo seria em tese um governo mais de esquerda se comparado aos anteriores. Porém, o Sr não acha que, independente do governo, esta hidrelétrica viria à tona em algum momento pelo próprio modelo de desenvolvimento industrial do país?

J. de Castro: É um modelo errado e equivocado né? Porque nós teríamos outras fontes, outras formas de se produzir energia sem haver necessidade de devastar e implantar um projeto que não vai dar certo. Isto já é certo as pesquisas estão aí.
Agora, existe um projeto maior, não é só as hidrelétricas, claro que todo nós estamos sabendo, seria uma grande e completa hidrelétrica no rio Xingu, que então acabaria com toda a região, acabaria não, acabará com toda esta região e é certo que não trará benefícios pra todo mundo. Há pontos conexos, claro, tem os empresários, etc e tal... que poderão ter um lucro certo dentro destes cinco ou dez anos, pra eles é muito bom porque o dinheiro deles não vai ficar em Altamira, vão levar para Rio - São Paulo e outros grandes centros ou ‘paraísos’ né? Com seus depósitos, etc e tal... Mas e o povo que fica? Veja Tucuruí até hoje, os atingidos pela barragem, se foram solucionados os problemas deles. E esse erro continua, não é só aqui não, há outras barragens que estão programadas pra Amazônia, todas terão esta grande problemática.

M.E – Alguns professores e intelectuais dizem que dentro deste modelo não há possibilidade de utilizar outros meios de energia senão as hidrelétricas. Qual a sua opinião quanto a isto? Não há mesmo outras formas?

J. de Castro: Olha, eu não posso precisar as outras formas de energia por não ter o conhecimento técnico encima disso. Mas eu sei perfeitamente que isto é inviável aqui na Amazônia, dado o grande índice de devastação que se dá. A devastação da floresta, o tirar as comunidades indígenas dos seus lugares, remanejá-los pra onde? As etinias que serão dizimadas completamente, porque não só se dizima matando, a partir do momento em que eu te arranco subitamente da tua casa e te coloco noutro canto, até você se ambientar... Não é verdade? Então tudo isto é complexo.
Mas outras formas, segundo o Painel de Especialistas da UFPA e a própria UNICAMP que veio aqui e fez estudos, eles mostram o caminho que pode ser tomado como modelo energético brasileiro sem haver a necessidade de tantas hidrelétricas aqui na Amazônia principalmente. Por exemplo, o Código Florestal Brasileiro hoje imposto é uma das maiores vergonhas, no âmbito nacional e internacional. Os caras estão colocando a leilão praticamente toda a floresta amazônica, e dizem estar preservando?
Então mano, o fogo ta aí, todo o dia a gente ver reportagem de fogo nas estradas, que prejudicam as estradas e até a visibilidade dos aviões que trafegam no céu amazônico.

 M.E – O Sr também destaca em seu livro, dentre outras organizações, o desempenho da OAB. Fale um pouco sobre esta citação.

J. de Castro: Eu chamei a atenção da OAB porque até pouco tempo ela era contra, então de repente  a OAB ta a favor do processo, de repente a OAB diz que tem que se respeitar as condicionantes, mas que condicionantes? Por isso que eu chamei a atenção da OAB na versação. Pois a gente sempre achava que a OAB se preocupava com a sociedade como um todo e de repente, quando a OAB se propõe a apoiar, só o nome dá um grande impacto, por isso que eu chamei a atenção e não me arrependo.

M.E – Voltando a falar sobre o Governo do PT, mesmo sendo um governo que continua com o mesmo modelo do anterior, existe uma visível diferença: a cooptação dos principais Movimentos Sociais e Sindicais. O Sr faz uma citação a CUT em seu livro, como você vem acompanhando todo este processo?

J. de Castro: É muito claro rapaz. Porque a política é muito complexa, não é verdade?
A política é muito coorporativa, particularmente eu faço este exercício de análise. Uma vez eu vi de público um camarada falar aqui em Belém, um camarada da CUT, falar sobre os ‘favorecimentos’ da UHE de Belo Monte, sem sequer conhecer a região, sem sequer conhecer os movimentos de lá. Então isto é complicado.
Tem grandes Movimentos Sociais que foram cooptados de fato, porque foram arrumados alguns lugares, alguns ministérios e setores no Governo. Isso aí leva o homem a se aquietar e a apoiar determinadas situações, mesmo que venham contrariar os princípios de humanidade.

M.E – O Sr também cita o chamado ‘Leilão’ que houve. Explique um pouco melhor como isto ocorreu?

J. de Castro: O Leilão foi um faz de conta. Abrindo um parêntese, como é que se leiloa a questão da Vale do Rio Doce? Foi um caso. Então o Leilão pra mim foi um roubo. Foi muito, digamos assim, festivo, foi uma coisa festiva de se leiloar. Sem a participação da sociedade civil nas devidas discussões básicas.

M.E – Qual o futuro que o Sr vislumbra para os índios dentro deste modelo de desenvolvimento?

J. de Castro: Olha, sem ser sensacionalista, eu vejo um futuro muito complexo para estes índios, porque os índios estão dizendo não, porque os índios estão inclusive se prontificando para ir à guerra, segundo alguns depoimentos de lideranças feito o Raoni.

M.E – Como seria esta guerra? Pois, segundo consta, a hidrelétrica já estaria sendo construída.

J. de Castro: Estão na fase de devastação, na fase da preparação do canteiro, então os índios estão confiando nas liminares e que possam barrar o processo. Estes índios serão locomovidos, como eu cito também no livro do “Búfalo Bill” do momento, não sei se você já era nascido,  a história do ‘Búfalo Bill’ nos EUA que ia pra guerra com um bocado de soldado pra matar índio porque os índios estariam nas terras dos Governos Americanos, queriam passar com uma ferrovia, etc e tal... Era um filme de ficção, mas aconteceu muito isso. Então eles serão deslocados, tira daqui bota pra li, tira daqui bota pra li e os índios vão viver de que? As etnias vão desaparecendo completamente, este que é o objetivo maior.

 M.E – O Sr acha Belo Monte inevitável?

J. de Castro: Não, eu ainda acredito na barragem de Belo Monte.

M.E – Baseado em que?

J. de Castro: Na grande pressão dos Movimentos Sociais, nacionais e internacionais principalmente, que estão fazendo alegações fortes e grandes manifestações e baseado também nas liminares porque o Ministério Público Federal do Pará é contra o processo.

M.E – Se esta Hidrelétrica for mesmo construída, para onde o Sr acha que vai esta energia toda que dizem que ela vai gerar?

J. de Castro: Aqui não fica. Você pode ter certeza que aqui não fica. O benefício também não. A exemplo de Tucuruí.
A cidade de Altamira, por exemplo, e aquelas cidades da Transamazônica foram ter energia bem depois, muitos anos depois. O fio que passava encima de Tailândia e não tinha energia da Hidrelétrica. A energia só foi para aquela cidade da Transamazônica pelo simples fato de se preparar para o processo da construção de Belo Monte que seria Cararaô na época.
Eu, particularmente, posso até estar sendo ignorante, mas não sou incoerente, a riqueza aqui pra gente não vai vir. Já estão até brigando, o Vice-Governador do Estado está com uma grande questão de que a Norte Energia está comprando todo o material fora do Pará, fora de Belém. Na semana passada eu estive em Altamira e estavam lá dois Deputados Federais, não vou fazer a citação dos nomes deles, mas eles estavam lá dizendo que estavam ‘puxando a orelha’ da Norte Energia porque eles estavam comprando material fora e importando inclusive mão-de-obra de fora também, material e mão-de-obra. E isso vai ser o cotidiano, eles não vão atender nenhum ‘puxão de orelha’, quer do Governo do Estado, quer da Assembléia Legislativa, não, eles vão comprar fora.

M.E – O Sr citou anteriormente o MPF, o Sr vem acompanhando o desempenho do Felício Pontes com relação a esse caso?

J. de Castro: Sim.

M.E – Se propagou até uma possível saída dele do caso Belo Monte. Como o Sr tem acompanhado este engajamento dele?

J. de Castro: Eu acompanho com todo o respeito ao Dr. Felício Pontes, porque além dele ser um homem inteligente, ele não é um homem sensacionalista, ele faz jus ao cargo que está hora ocupando. Agora, se incomoda principalmente a AGU, fica claro que os camaradas correm atrás pra tirarem o homem. Mas isso não impede que o MPF do Estado do Pará possa continuar batalhando, batendo na tecla, porque o Ministério Público não está sendo sensacionalista, está embasado em dados técnicos e científicos, não estão aleatoriamente dizendo: “Há, Belo Monte é inviável”. Assim como o livro “Belo Monte – O Belo do destruir” está embasado, foi embasado, por isso que eu escrevi. Eu não seria irresponsável de publicar um trabalho sem nenhum dado técnico e científico, me baseei muito também no que o MPF disse para fazer algumas conotações no meu livro.

 M.E – Voltando a falar no Sr e sobre a Literatura de Cordel, como o Sr acha que está o espaço para a L. de Cordel no Pará e no Brasil?

J. de Castro: Na Amazônia, a Literatura de Cordel chegou desde a fase áurea da borracha, diga-se de passagem que na Amazônia foi mais “desenvolvida” por nordestinos, cearenses, pernambucanos, rio-grandenses, etc. E muitos dentre esses homens que trouxeram a Literatura de Cordel ficaram no anonimato.
Nós, desde que chegamos aqui, junto com outros colegas meus feito o Juracy Siqueira, lá em Conceição do Araguaia o Francisco de Assis Forte Sobrinho e tantos outros, começamos a desenvolver uma atividade sobre a Literatura de Cordel propriamente dita e a gente está tentando, por exemplo, agora na XV Feira Pan-Amazonica do Livro, nós ousamos e realizamos o I Encontro de Cordelistas da Amazônia. Vieram poucos, mas a gente está pensando que no próximo ano na Feira Pan-Amazonica do Livro teremos uma participação maior e estamos tentando resgatar a Sociedade dos Poetas Cordelistas da Bacia Amazônica, que foi uma sociedade que nós criamos ainda na década de 80 lá em Conceição do Araguaia, estamos montando um banco de dados sobre os cordelistas da Amazônia, não só daqui da Grande Belém, como em Altamira, como em Uruará, São Félix do Xingu, Conceição do Araguaia, Santarém, nós estamos cobrindo o Estado todinho pra descobrir estes cordelistas e termos um banco de dados nas obras que eles escrevem e quiçá teremos aqui na Biblioteca Central da UFPA ou na Biblioteca Artesiana lá no Centur, uma série de acervos só de cordel.

M.E – Por este seu estilo engajado e até certo ponto, militante. O Sr já sofreu alguma espécie de perseguição ou censura?

J. de Castro: Olha rapaz, eu sou um poeta que pouco me preocupo com as críticas que possam fazer a mim. Sem dúvida nenhuma, em Altamira principalmente, eu sofri alguma discriminações, principalmente do poder público. Mas a mim não afeta.
Eu faço o meu próprio marketing. Por exemplo, algumas críticas sobre a divisão do Pará, eu estou com algumas obras minha lá no Sul do Pará, estou com obras minha lá na área de Santarém sobre a divisão do Pará e trabalhei a minha obra contra. Então eu não me preocupo muito com o que digam sobre mim, aceito a crítica com a maior naturalidade, quer seja uma crítica literária, quando é literária eu dou ouvidos, quer seja uma crítica pejorativa, quando é pejorativa eu não dou ouvidos, a literária sim porque ela vai me ajudar muito, vai me alavancar muito para eu me preocupa com a escrita. Mas a crítica pejorativa com relação a mim que possam atingir o Poeta ou Ser Humanos João de Castro, eu faço vista grossa, tento não perceber. A literária sim, eu me preocupo porque é o enriquecimento de cada autor quando recebe uma crítica literária

M.E – O Sr participa de várias organizações, ocupa alguns cargos, inclusive aqui na UFPA. Nenhuma porta se fecha por causa desta sua postura contestadora?

J. de Castro: Não. Aqui na UFPA também não, inclusive porque o meu terreno não é aqui, meu terreno mesmo é lá fora. Por exemplo, eu presido a União dos escritores da Amazônia, então eu primo por trabalhar mais lá fora do que na UFPA, eu trabalho mais com o popular do que aqui, porque aqui está a academia, o formar saberes, etc e tal...
Claro que os professores e o colegas compram as minha obras, mas o meu terreno mesmo é lá fora porque é lá que eu vou querer o leitor. Até porque, aqui dentro a necessidade é mais específica, lá fora é a literatura popular mesmo, quer seja o conto, quer seja a poesia, quer seja a literatura de cordel, quer seja o romance, eu trabalho mais lá fora junto a outros autores dentro desta proposta.

M.E – Pra terminar, como é o seu trabalho aqui na UFPA?

J. de Castro: Enquanto Técnico Administrativo, eu desenvolvo uma função aqui, sou Coordenador Artístico-Cultural do Departamento de Apoio à Cultura, e diga-se de passagem que a Pró-Reitoria de Extensão tem muito pelo meu trabalho enquanto técnico e meu trabalho enquanto escritor, eles tem muito respeito e obviamente me dão muito apoio, isso aí eu não posso negar, principalmente nesta gestão, esta gestão tem me dado todo apoio irrestrito ao meu trabalho enquanto escritor e enquanto Técnico Administrativo porque me deixam muito mais à vontade pra trabalhar e desenvolver as minhas atividades profissionais e artísticas culturais.


Ao final da entrevista eu pedi para que o Poeta João de Castro deixasse uma mensagem aos leitores do Blog. Apesar deu estar gravando a entrevista ele resolveu escrever numa folha de papel em forma de versos eu a transcrevo abaixo:

“Engaje-se meu nobre amigo
  Na tua forma de ler
  O blog do jovem Marçal
  É pra acessar e conceber
  Portanto boa leitura
  Na noite do entardecer...” (João de Castro)