terça-feira, 31 de julho de 2012

Música de Intervenção no Brasil


                "Arte revolucionária deve ser uma mágica capaz de enfeitiçar o homem a tal ponto que ele não suporte mais viver nesta realidade absurda."




Partindo desta frase, que muito mais que uma simples frase de efeito, era um princípio artístico seguido a risca pelo saudoso Glauber Rocha. Tentarei expor, segundo o meu ponto de vista e de acordo com o percalço de minhas informações, os principais ícones deste tipo de arte engajada e compromissada não apenas com um ideal, mas principalmente com a realidade, com a História e o seu principal agente: o povo.
É uma tarefa difícil, diria quase impossível, relatar com máxima precisão todos os artistas ou movimentos artísticos que se dispuseram a desempenhar este tipo de arte no decorrer da história da música brasileira, porém a minha intenção não é fazer uma pesquisa minuciosa, muito menos impor a minha visão como verdade. Meu objetivo é informar e apresentar alguns dos artistas que se atreveram a peregrinar nesta vertente musical.


Até os anos 50 não haviam muitos registros deste estilo de música, talvez uma ou outra crítica social e geralmente de modo sarcástico como nesta música composta por Noel Rosa:





Onde Está a Honestidade?
(Noel Rosa)

Você tem palacete reluzente
Têm jóias e criados à vontade
Sem ter nenhuma herança ou parente
Só anda de automóvel na cidade...

E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade?
Onde está a honestidade? (Refrão)

O seu dinheiro nasce de repente
E embora não se saiba se é verdade
Você acha nas ruas diariamente
Anéis, dinheiro e até felicidade...

(Refrão)

Vassoura dos salões da sociedade
Que varre o que encontrar em sua frente
Promove festivais de caridade
Em nome de qualquer defunto ausente...

(Refrão)

  






          Já nos anos 60, depois do Golpe Militar (1964), as músicas de caráter engajado ganharam força, assim como todas as artes que se atreviam a contestar a Ditadura. Logo em 1965 no I Festival de Música Popular Brasileira, Edu Lobo e Vinicius de Moraes lançaram compuseram “Arrastão”, uma música de cunho social onde nela é demonstrando as devoções simultâneas do povo simples do litoral brasileiro. O arrastão significa pesca com rede puxada por bois que representa sua riqueza ou sua pobreza, dependendo da quantidade de peixes.
            A música venceu o Festival, muito graças à interpretação emocionante de Elis Regina, então com vinte anos.




Arrastão
(Edu Lobo/Capinam)

Eh! tem jangada no mar
Eh! eh! eh! Hoje tem arrastão
Eh! Todo mundo pescar
Chega de sombra e João
Jô viu!

Olha o arrastão entrando no mar sem fim
É meu irmão me traz Iemanjá prá mim
Olha o arrastão entrando no mar sem fim
É meu irmão me traz Iemanjá prá mim

Minha Santa Bárbara me abençoai
Quero me casar com Janaína
Eh! Puxa bem devagar
Eh! eh! eh! Já vem vindo o arrastão
Eh! É a rainha do mar
Vem, vem na rede João prá mim

Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim
Nunca, jamais se viu tanto peixe assim
Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim
Nunca, jamais se viu tanto peixe assim



    
       Também em 1965, surgia para os festivais um dos maiores compositores deste período, o emblemático Geraldo Vandré. Naquele mesmo ano ele já tinha defendido “Sonho de um Carnaval” do então autor estreante Chico Buarque, ainda no I Festival de Música Popular Brasileira.
            Em seguida, no ano de 66, Vandré concorreu enfim como compositor, no Festival Nacional de Música Popular Brasileira obtendo o 1º Lugar com a marcha-rancho “Porta Estandarte”, música composta em parceria com Fernando Lona.
            A canção retrata indiretamente com versos de lamúria, o momento histórico de turbulências e incertezas no Brasil pós-golpe de 64 e termina com certo ar de esperança para os dias vindouros.




Porta Estandarte
(Geraldo Vandré/Fernando Lona)

Olha que a vida tão linda se perde em tristezas assim
Desce o teu rancho cantando essa tua esperança sem fim
Deixa que a tua certeza se faça do povo a canção
Pra que teu povo cantando teu canto ele não seja em vão

Eu vou levando a minha vida enfim
Cantando e canto sim
E não cantava se não fosse assim
Levando pra quem me ouvir
Certezas e esperanças pra trocar
Por dores e tristezas que bem sei

Um dia ainda vão findar
Um dia que vem vindo
E que eu vivo pra cantar
Na avenida girando, estandarte na mão pra anunciar.

    






            Seguindo na a era dos festivais, ainda em 1966, se inicia uma disputa que iria marcar aquele período ímpar na música brasileira: a peleja ‘Vandré X Chico’.
            A primeira fase deste saudável confronto foi no II Festival de Música Popular Brasileira no Teatro Record.  Num período em que a juventude vivia uma efervescência política e havia uma cultura de esquerda muito forte na classe média universitária. Os jovens daquela época se viam cada vez mais desprovidos de seus direitos políticos na medida em que a Ditadura ‘apertava o cerco’, a arte acabava sendo uma válvula de escape onde a juventude poderia se expressar sem tantas restrições, por conseguinte, os festivais acabavam sendo um destes meios de livre expressão política.
            Neste contexto, o jovem compositor Chico Buarque apresenta a sua simpática “A Banda”, que destacava justamente o papel da arte na sociedade, simbolizada numa simples banda que passava, mas que era capaz de fazer com que as pessoas se esquecessem dos seus problemas, nem que fosse naquele instante apenas. Porém depois de acompanhá-la, as mesmas pessoas tinham que voltar para o ‘seu canto’ e às suas respectivas dores. Em contra partida, Vandré entrega ao público a pujante “Disparada”, uma narração onde o protagonista é um boiadeiro que se vê desiludido frente às dificuldades da sua vida sofrida e segue sem destino montado em seu cavalo em busca da felicidade num “reino que não tem rei”.
            Geraldo Vandré estava tão preocupado com a interpretação da música que chegou a pedir a Jair Rodrigues que deixasse a irreverência um pouco de lado, fechasse o seu semblante e cantasse sério do início ao fim da canção, claro que Jair fez o possível mas acabou deixando escapar algumas risadas no final. Vandré ainda pediu para o percussionista Airto Moreira, do Quarteto Novo (Grupo que acompanhava Vandré nas apresentações), para que conseguisse um instrumento com o som de tiro. Airto 'se bateu' procurando até encontrar uma Queixada de Burro, que na apresentação no Festival, foi colocada propositalmente num lugar de destaque.
            O resultado de tudo isso, foi que o público ficou tão dividido entre ‘Bandistas’ e ‘Disparados’ que tiveram que dividir o ‘Prêmio Viola de Ouro’ entre as duas canções, fato inédito até então nos Festivais.






A Banda
Composição: Chico Buarque

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem
A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela
A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou
E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor...












Disparada
Composição: Geraldo Vandré e Theo de Barros

Prepare o seu coração
Pras coisas
Que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar...
Aprendi a dizer não
Ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo
A morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar
Eu vivo prá consertar...
Na boiada já fui boi
Mas um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu...
Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente
Pela vida segurei
Seguia como num sonho
E boiadeiro era um rei...
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos
Que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei...
Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente...
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto prá enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar
Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer ir mais longe
Do que eu...
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei






      Há de se destacar também que neste mesmo ano de 1966 ocorreu o 1° Festival Internacional da Canção (I FIC), onde ganhou “Saveiro” de Dorival Caymmi e Nelson Mota, música regionalista que faz referência a um pescador e seu saveiro (pequeno barco típico da Bahia utilizado na travessia de rios e na pesca a linha), desbravando o mar e lamentando a perda de pessoas próximas para as correntezas, esta situação pode ser considerada também uma analogia com a realidade vivida na época. Em segundo ficou “O Cavaleiro” de Geraldo Vandré e da talentosa cantora Tuca (que muitos diziam que era a Mama Cass brasileira), uma letra típica do Vandré onde a temática é novamente um protagonista popular e heróico que segue em busca de um sonho de liberdade. Em terceiro ficou “Dia das Rosas” de Luís Bonfá e Maria Helena Toledo, outra música que faz referência há dias vindouros que tendem a ser melhores graças às rosas “que trarão pra essa gente um mundo de paz”. Quem interpretou a canção foi a consagrada Maysa, que foi eleita a melhor intérprete e ganhou o prêmio “Ramo de Café de Ouro”.



  




Saveiros
Composição: Dory Caymmi / Nelson Motta

Nem bem a noite terminou
Vão os saveiros para o mar
Levam no dia que amanhece
As mesmas esperanças
Do dia que passou
Quantos partiram de manhã
Quem sabe quantos vão voltar
Só quando o sol descansar
E se os ventos deixarem
Os barcos vão chegar
Quantas histórias pra contar
Em cada vela que aparece
Um canto de alegria
De quem venceu o mar









O Cavaleiro
(Geraldo Vandré/Tuca)

Bem no fundo do coração
Guardo há tempos um cavaleiro
Que ainda vou mandar pro norte
Vestido de boiadeiro
A caatinga é o seu lugar
Sua andança pra voltar
Esperança suas armas
Injustiças pra guerrear
Mas meu cavaleiro
Não vai se descuidar
Quem sai de uma seca brava
No mar pode se afogar
E há um mundo inteiro
Que espera ouvir falar
De um bravo cavaleiro
Que bem soube se guardar
Para um dia lá no sertão
E no mar e em teu coração
Sertanejo ou jangadeiro
Trazer paz para o Norte inteiro




Dia das Rosas
(Luís Bonfá e Maria Helena Toledo)


Hoje é dia das rosas
Que enfeitam formosas
Amores se unindo
Num lindo jardim
Porque o berço da flor
Vem do encanto de nós
Que nascemos de nós
E vivemos de amor
Ah! Que tristeza viver sem amor
Ah! Que certeza do amor
Nossas mãos, mãos tão sozinhas
Não sabem o que querem
Porque não procuram saber de você
Rogo em nome das flores
Irmãs dos jardins
Eu proclamo você
A rainha de nós
E em todas as cores
Você foi capaz
De trazer pra essa gente
Um mundo de paz











         E eis que chega o marcante III Festival de Música Popular Brasileira, "O FESTIVAL DA VIRADA", onde participaram e se destacaram grandes nomes da Música Popular Brasileira, entre eles: Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, etc.
            Foi uma disputa acirrada pelo “Prêmio Sabiá de Ouro”, que acabou indo para Edu Lobo com a música “Ponteio”, em parceria com o Capinam. Com um ritmo regionalista e uma letra engajada, o jovem Edu Lobo, que interpretou a canção junto com a brilhante Marília Medalha, conquistara o público com os versos “quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar”. Apesar do fato de terem se apresentado, coincidentemente, logo depois que o Sergio Ricardo quebrou o seu violão e atirou na platéia.
            Antes dos ganhadores, postarei o que foi, talvez, o fato mais marcante do festival: O Sergio Ricardo quebrando o violão. Como já coloquei anteriormente, o público, que era composto, em sua maioria, pela classe média estudantil, que estava sedenta por letras que relatassem a realidade difícil daquele período. O Sérgio Ricardo sempre foi um compositor engajado, inclusive participou de boa parte da filmografia do Glauber Rocha (grande cineasta e um dos precursores do Cinema Novo) compondo a trilha sonora. Entretanto, neste festival, ele inocentemente resolveu fazer uma singela homenagem ao Mané Garricha com a música “Beto Bom de Bola”. O Público não entendeu e vaiou de maneira estrondosa. Sergio Ricardo, por sua vez, depois de tanto tentar acalmar o público, não deixou por menos e num espasmo de fúria quebrou a viola e jogou contra os seus ‘carrascos’.




Beto Bom de Bola
(Sérgio Ricardo)


Como bate batucada
Beto bate bola
Beto é o bom da molecada
E vai fazendo escola
Tira de letra a pelada
Com bola de meia
Disse adeus à namorada
A lua é bola cheia
A cigana viu azar
Mas Beto não deu bola
E aceitou a proteção
Do primeiro cartola
Nas manchetes de jornal
Bebeto entrou de sola
- Extra !
- O novo craque nacional
- É o Beto Bom de bola

(Bis) - É, é, é ou não é
Até parece o Mané

E foi pra Copa buscar a glória
E fez feliz a nação,
no maior lance da história,

Atenção ! Beto com a bola
Avança o furacão
Zero a zero no placar
É grande a confusão
Vai levando a Leonor
Rompendo a marcação
Driblou dois e agora invade
A zona do agrião
Leva um chute na canela
E vai parar no chão
Se levanta ainda com a bola
Domina o balão
Capengando dribla o béque
Que pertardo , pimba
Gooooool !!
E foi beijar o véu da noiva
O Brasil campeão !

(Bis)- É, é, é ou não é
Até parece o Mané !

E foi-se a Copa e foi-se a glória
E a nação se esqueceu
do maior craque da história

Quando bate a nostalgia
Bate noite escura
Mãos no bolso e a cabeça
Baixa, sem procura
Beto vai chutando pedra
Cheio de amargura
Num terreno tão baldio
O quanto a vida é dura
Onde outrora foi seu campo
De uma aurora pura
Chão batido pé descalço
Mas sem desventura
Contusão, esquecimento
Glória não perdura
Mas,
Se por um lado o bem se acaba
O mal também tem cura

(Bis) - É, é, é ou não é
Até parece o Mané

Homem não chora
por fim da glória
Dá seu recado
enquanto durar sua história.

Vai se olhar no espelho
E vê
Mané Garrincha















Ponteio
(Edu Lobo /Capinam)


Era um, era dois, era cem
Era o mundo chegando e ninguém
Que soubesse que eu sou violeiro
Que me desse o amor ou dinheiro...

Era um, era dois, era cem
Vieram prá me perguntar:
"Ô voce, de onde vai
de onde vem?
Diga logo o que tem
Prá contar"...

Parado no meio do mundo
Senti chegar meu momento
Olhei pro mundo e nem via
Nem sombra, nem sol
Nem vento...

Quem me dera agora
Eu tivesse a viola
Prá cantar...(4x)

Prá cantar!

Era um dia, era claro
Quase meio
Era um canto falado
Sem ponteio
Violência, viola
Violeiro
Era morte redor
Mundo inteiro...

Era um dia, era claro
Quase meio
Tinha um que jurou
Me quebrar
Mas não lembro de dor
Nem receio
Só sabia das ondas do mar...

Jogaram a viola no mundo
Mas fui lá no fundo buscar
Se eu tomo a viola
Ponteio!
Meu canto não posso parar
Não!...

Quem me dera agora
Eu tivesse a viola
Prá cantar, prá cantar
Ponteio!...(4x)

Pontiarrrrrrrr!

Era um, era dois, era cem
Era um dia, era claro
Quase meio
Encerrar meu cantar
Já convém
Prometendo um novo ponteio
Certo dia que sei
Por inteiro
Eu espero não vá demorar
Esse dia estou certo que vem
Digo logo o que vim
Prá buscar
Correndo no meio do mundo
Não deixo a viola de lado
Vou ver o tempo mudado
E um novo lugar prá cantar...

Quem me dera agora
Eu tivesse a viola
Prá cantar
Ponteio!...(4x)

Lá, láia, láia, láia...
Lá, láia, láia, láia...
Lá, láia, láia, láia...

Quem me dera agora
Eu tivesse a viola
Prá cantar
Ponteio!...(4x)

Pra cantar
Pontiaaaaarrr!...(4x)

Quem me dera agora
Eu tivesse a viola
Pra Cantar!

  



              Em 2º Lugar ficou a Música ‘Domingo no Parque’ de Gilberto Gil, que se tornou clássica, uma das melhores canções da história MPB e, na minha humilde opinião, a melhor que ele já compôs. A letra relata um crime passional, típico daqueles que já estampavam as manchetes dos jornais sensacionalistas da época.  O triângulo amoroso entre os personagens João, Juliana e José acabou em facadas em um dia de domingo em pleno parque.



Domingo no Parque
(Gilberto Gil)

O rei da brincadeira
Ê, José!
O rei da confusão
Ê, João!
Um trabalhava na feira
Ê, José!
Outro na construção
Ê, João!…
   
A semana passada
No fim da semana
João resolveu não brigar
No domingo de tarde
Saiu apressado
E não foi prá Ribeira jogar
Capoeira!
Não foi prá lá
Pra Ribeira
Foi namorar…
   
O José como sempre
No fim da semana
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo
Um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio…
Foi no parque
Que ele avistou
Juliana
Foi que ele viu
   
Foi que ele viu
Juliana na roda com João
Uma rosa e um sorvete na mão
Juliana seu sonho, uma ilusão
Juliana e o amigo João…
   
O espinho da rosa feriu Zé
E o sorvete gelou seu coração
   
O sorvete e a rosa
A rosa e o sorvete
Foi dançando no peito
Do José brincalhão
   
O sorvete e a rosa
A rosa e o sorvete
Foi girando na mente
Do José brincalhão
   
Juliana girando
Oi, na roda gigante
Oi, na roda gigante
O amigo João…
   
O sorvete é morango
É vermelho!
Oi, girando e a rosa
É vermelha!
Oi girando, girando
Oi, girando, girando…
   
Olha a faca!
Olha o sangue na mão
Juliana no chão
Outro corpo caído
Seu amigo João
   
Amanhã não tem feira
Não tem mais construção
Não tem mais brincadeira
Não tem mais confusão…
   
Eê eê eê eê eê

   







            O terceiro lugar foi para a comovente canção de Chico Buarque, “Roda Viva”. Com uma letra que relatou de maneira lúcida e poética a realidade vivida naquele período, o jovem de olhos verdes cativou todo o público presente no Teatro Record com a música que Caetano Veloso classificou como 'a mais comovente daquele festival'.



Roda Viva
(Chico Buarque)

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...

A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...

No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...(4x)




                ‘Encerrando’ o Festival da Record, vale relembrar a 4ª colocada. A extravagante e arrojada “Alegria Alegria”, de Caetano Veloso, que resolveu misturar tudo que estava alcance sobre os acontecimentos da época e despontou que nem o Sartre: “Com nada no bolso ou nas mãos”.






Alegria, Alegria
(Caetano Veloso)

Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou...

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou...

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot...

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou...

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não...

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou...

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou...

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil...

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou...

Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...

Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não..

  








        No outro festival daquele ano, dentre as primeiras colocadas, o destaque foi o surgimento de outro grande expoente da MPB e autor de grandes músicas engajadas: Milton Nascimento, que junto com Fernando Brant compôs “Travessia”, segunda colocada no II FIC.


                     Chico, Gutemberg Guarabyra e Milton Nascimento (Os três primeiros colocados do II FIC).








Margarida
(Gutemberg Guarabyra)

Andei, terras do meu reino em vão
Por senhora que perdi
E por quem fui descobrir
Não me crer-mais-ei aqui, me encerrei
Sou cantor e cantarei
Que em procuras de amor morri, ai!
Dor que no meu peito dói
Que destróis assim de mim
Bem sei que eu achei enfim
E que adiantou a dor,
Mas me queimou
Pois por não saber de amar
Ela ainda rainha está
E ela está em seu castelo, olê, olê, olá
E ela está em seu castelo, olê, seus cavaleiros
Ora peçam que apareça
Pois por mais que me eu me ofereça
Mais me evita essa senhora
Eu já fui rei, já fui cantor
Vou ser guerreiro, um perfeito cavaleiro
Armadura, escudo, espada,
Pra seguir na escalada
Belo motivo, é por amor que vou lutando
E pelas pedras do castelo
Uma eu já vou retirando
E retirando uma pedra, olê, olê,olá
Mais uma pedra não faz falta, olê, seus cavaleiros
Que ainda correm pelo mundo
Ouçam só por um segundo, que eu acabo de vencer
Retirei pedras de orgulhos, majestades,
Deixei todas de humildades,de amores sem reinado
Ela então se me rendeu
Eu já fui rei, já fui cantor, já fui guerreiro
E agora enfim sou companheiro,
Da mulher que apareceu
Apareceu a Margarida, olê, olê, olá
Apareceu a Margarida, olê, seus cavaleiros
Apareceu a Margarida, olê, olê, olá
Apareceu a Margarida, olê...
Seus cavaleiros!







Travessia
(Milton Nascimento e Fernando Brant)

Quando você foi embora fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar
Minha casa não é minha, e nem é meu este lugar
Estou só e não resisto, muito tenho prá falar
Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu canto, vou querer me matar
Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver
Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu canto, vou querer me matar






Carolina
(Chico Buarque)

Carolina, nos seus olhos fundos guarda tanta dor, a dor de todo esse mundo
Eu já lhe expliquei, que não vai dar, seu pranto não vai nada ajudar
Eu já convidei para dançar, é hora, já sei, de aproveitar

Lá fora, amor, uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo, pela janela, ah que lindo
Mas Carolina não viu...
Carolina, nos seus olhos tristes, guarda tanto amor, o amor que já não existe,
Eu bem que avisei, vai acabar, de tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar, agora não sei como explicar

Lá fora, amor, uma rosa morreu, uma festa acabou, nosso barco partiu
Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela e só Carolina não viu.








           Na I Bienal do Samba, destacou-se uma canção em homenagem a Besouro (capoeirista que no início do século XX tornou-se o maior símbolo da capoeira baiana), interpretada por Elis Regina.





Lapinha
(Baden Powell e Paulo César Pinheiro)

Quando eu morrer me enterre na Lapinha,
Quando eu morrer me enterre na Lapinha
Calça, culote, palitó almofadinha
Calça, culote, palitó almofadinha
Vai meu lamento vai contar
Toda tristeza de viver
Ai a verdade sempre trai
E às vezes traz um mal a mais
Ai só me fez dilacerar
Ver tanta gente se entregar
Mas não me conformei
Indo contra lei
Sei que não me arrependi
Tenho um pedido só
Último talvez, antes de partir
Quando eu morrer me enterre na Lapinha,
Quando eu morrer me enterre na Lapinha
Calça, culote, palitó almofadinha
Calça, culote, palitó almofadinha
Sai minha mágoa
Sai de mim
Há tanto coração ruim
Ai é tão desesperador
O amor perder do desamor
Ah tanto erro eu vi, lutei
E como perdedor gritei
Que eu sou um homem só
Sem saber mudar
Nunca mais vou lastimar
Tenho um pedido só
Último talvez, antes de partir
Quando eu morrer me enterre na Lapinha,
Quando eu morrer me enterre na Lapinha
Calça, culote, palitó almofadinha
Calça, culote, palitó almofadinha
Adeus Bahia, zum-zum-zum
Cordão de ouro
Eu vou partir porque mataram meu besouro

            Em segundo lugar ficou Bom Tempo de Chico Buarque, letra que relata o raro lazer de um simples operário. 






Bom Tempo

(Chico Buarque)


Um marinheiro me contou
Que a boa brisa lhe soprou
Que vem aí bom tempo
O pescador me confirmou
Que o passarinho lhe cantou
Que vem aí bom tempo

Do duro toda semana
Senão pergunte à Joana
Que não me deixa mentir
Mas, finalmente é domingo
Naturalmente, me vingo
Eu vou me espalhar por aí

No compasso do samba
Eu disfarço o cansaço
Joana debaixo do braço
Carregadinha de amor
Vou que vou
Pela estrada que dá numa praia dourada
Que dá num tal de fazer nada
Como a natureza mandou
Vou
Satisfeito, a alegria batendo no peito
O radinho contando direito
A vitória do meu tricolor
Vou que vou
Lá no alto
O sol quente me leva num salto
Pro lado contrário do asfalto
Pro lado contrário da dor

Um marinheiro me contou
Que a boa brisa lhe soprou
Que vem aí bom tempo
Um pescador me confirmou
Que um passarinho lhe cantou
Que vem aí bom tempo
Ando cansado da lida
Preocupada, corrida, surrada, batida
Dos dias meus
Mas uma vez na vida
Eu vou viver a vida
Que eu pedi a Deus






          
          No IV Festival de Música Popular Brasileira destacou-se a 'homenagem controversa' à cidade de São Paulo ao melhor estilo Tom Zé.







São, São Paulo
(Tom Zé)

São, São Paulo meu amor
São, São Paulo quanta dor
São oito milhões de habitantes
De todo canto em ação
Que se agridem cortesmente
Morrendo a todo vapor
E amando com todo ódio
Se odeiam com todo amor
São oito milhões de habitantes
Aglomerada solidão
Por mil chaminés e carros
Caseados à prestação
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito
São, São Paulo
Meu amor
São, São Paulo
Quanta dor
Salvai-nos por caridade
Pecadoras invadiram
Todo centro da cidade
Armadas de rouge e batom
Dando vivas ao bom humor
Num atentado contra o pudor
A família protegida
Um palavrão reprimido
Um pregador que condena
Uma bomba por quinzena
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito
São, São Paulo
Meu amor
São, São Paulo
Quanta dor
Santo Antonio foi demitido
Dos Ministros de cupido
Armados da eletrônica
Casam pela TV
Crescem flores de concreto
Céu aberto ninguém vê
Em Brasília é veraneio
No Rio é banho de mar
O país todo de férias
E aqui é só trabalhar
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito
São, São Paulo
Meu amor
São, São Paulo







           Em segundo, mais uma vez, aparece Chico Buarque com “Benvinda”.





Benvinda
(Chico Buarque)



Dono do abandono e da tristeza
Comunico oficialmente que há um lugar na minha mesa
Pode ser que você venha por mero favor, ou venha coberta de amor
Seja lá como for, venha sorrindo
Ah, benvinda, benvinda, benvinda
Que o luar está chamando, que os jardins estão florindo
Que eu estou sozinho
Cheio de anseio e de esperança, comunico a toda gente
Que há lugar na minha dança
Pode ser que você venha morar por aqui, ou venha pra se despedir
Não faz mal pode vir até mentindo
Ah, benvinda, benvinda, benvinda
Que o meu pinho está chorando, que o meu samba está pedindo
Que eu estou sozinho
Vem iluminar meu quarto escuro, vem entrando com o ar puro
Todo novo da manhã
Oh vem a minha estrela madrugada, vem a minha namorada
Vem amada, vem urgente, vem irmã
Benvinda, benvinda, benvinda
Que essa aurora está custando, que a cidade está dormindo
Que eu estou sozinho
Certo de estar perto da alegria, comunico finalmente
Que há lugar na poesia
Pode ser que você tenha um carinho para dar, ou venha pra se consolar
Mesmo assim pode entrar que é tempo ainda
Ah, benvinda, benvinda, benvinda
Ah, que bom que você veio, e você chegou tão linda
Eu não cantei em vão
Benvinda, benvinda, benvinda. benvinda, benvinda










           Eis que chega o momento mais emblemático dentro do ano mais importante daquela época tumultuada e de grandes transformações, ou tentativas de transformações em que o Brasil e o Mundo estavam presenciando. No III FIC de 1968, ocorreu a derradeira disputa entre os dois compositores que melhor conseguiam definir aquele momento histórico no Brasil: Chico Buarque e Geraldo Vandré. O primeiro apostou numa canção saudosista chamada ‘Sabiá’ que fazia uma certa alusão à “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias; o segundo deixou de lado o lirismo e as entrelinhas e decidiu escrever em ‘Pra não dizer eu não falei das flores’ ou ‘Caminhando’ uma descrição franca e objetiva daquele momento de repressão que o país passava, além de ter um refrão pujante e convocatório: “Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
            O público aderiu a música de Vandré, porém quem ganhou no voto dos jurados, que segundo alguns relatos estavam pressionados a não escolher ‘Caminhando’, foi a canção de Chico e Tom Jobim que, ao receber o prêmio, teve que receber uma sonora vaia sozinho, já que Chico estava viajando naquele momento. Vandré ovacionado tentou acalmar o público e cantou sozinho, sem banda, apenas com voz e violão, proporcionando o instante mais simbólico daquele período peculiar da MPB.







Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores
(Geraldo Vandré)

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição:
De morrer pela pátria
E viver sem razão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer














Sabiá
(Chico Buarque/ Tom Jobim)

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De um palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor Talvez possa espantar
As noites que eu não queira
E anunciar o dia

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar
E a solidão vai se acabar










             Ainda neste festival apresentou-se uma belíssima música na voz de Beth Carvalho chamada ‘Andança’ de Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, além do momento em que Caetano Veloso foi vaiado ao tentar cantar ‘É proibido proibir’ e em meio a sonora vaia que recebia, pronunciou um discurso de descontentamento com os rumos da Juventude militante que não entendia as manifestações extravagantes da Tropicália.









Andança
(Beth Carvalho)


Vim, tanta areia andei
 Da lua cheia eu sei
Uma saudade imensa...
Vagando em verso eu vim
Vestido de cetim
Na mão direita, rosas
Vou levar...
Olha a lua mansa...(me leva amor)
Se derramar
Ao luar descansa
Meu caminhar..(amor)
Meu olhar em festa...(me leva amor)
Se fez feliz
Lembrando a seresta
Que um dia eu fiz
(por onde for quero ser seu par)
Já me fiz a guerra...(me leva amor)
Por não saber
Que esta terra encerra
Meu bem-querer...(amor)
E jamais termina
Meu caminhar ...(me leva amor)
Só o amor me ensina
Onde vou chegar
(por onde for quero ser seu par)
Rodei de roda, andei
Dança da moda, eu sei
Cansei de ser sozinha...
Verso encantado, usei
Meu namorado é rei
Nas lendas do caminho
Onde andei..
No passo da estrada...(me leva amor)
Só faço andar
Tenho meu amor
Pra me acompanhar..(amor)
Vim de longe léguas
Cantando eu vim...(me leva amor)
Vou, não faço tréguas
Sou mesmo assim
(por onde for quero ser seu par)
Já me fiz a guerra...(me leva amor)
Por não saber
Que esta terra encerra...(amor)
Meu bem-querer
E jamais termina
Meu caminhar...(me leva amor)
Só o amor me ensina
Onde vou chegar
(por onde for quero ser par)
Lá lá lá lá lá lá
Lá la lá lá lá lá....







É Proibido Proibir
(Caetano Veloso)


A mãe da virgem diz que não
E o anúncio da televisão
E estava escrito no portão
E o maestro ergueu o dedo
E além da porta
Há o porteiro, sim...
E eu digo não
E eu digo não ao não
Eu digo: É!
Proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir...
Me dê um beijo meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças
Livros, sim...
(falado)
Cai no areal na hora adversa que Deus concede aos seus
para o intervalo em que esteja a alma imersa em sonhos
que são Deus.
Que importa o areal, a morte, a desventura, se com Deus
me guardei
É o que me sonhei, que eterno dura e esse que regressarei.
E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo: É!
Proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir...
Me dê um beijo meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estátuas, as estantes
As vidraças, louças
Livros, sim...
E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo: É!
Proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir...








           Depois de 68, os festivais já começavam a perder força. Veio o AI-5, a Ditadura ficava cada vez mais intolerante e os meios de comunicação cada vez mais coniventes com as pressões do Governo Militar e distante dos artistas engajados.
            No V Festival de Música Popular Brasileira, já em 1969, destacou-se uma música visionária, até certo ponto, de Paulinho da Viola. A canção não chega a ter uma crítica ao Regime, mas faz referências à realidade cada vez mais conturbada vivida nas urbes brasileiras. O público se identificou e a canção levou o 1º lugar.





Sinal Fechado
(Paulinho da Viola)


Olá, como vai ?
Eu vou indo e você, tudo bem ?
Tudo bem eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você ?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranquilo, quem sabe ...
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo...
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Oh! Não tem de quê
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona ?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo talvez nos vejamos
Quem sabe ?
Quanto tempo... pois é... (pois é... quanto tempo...)
Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso
Beber alguma coisa, rapidamente
Pra semana
O sinal ...
Eu espero você
Vai abrir...
Por favor, não esqueça,
Adeus...










         Vale destacar também a boa canção de Edson Alencar e Helio Matheus, chamada “Comunicação”, que ficou em 3º lugar e que continha uma letra que falava da felicidade imposta a todos pelas propagandas televisivas, que já começavam a despontar e a massificar nas televisões de todo o país. 





Comunicação
(Edson Alencar/Helio Matheus)



Sigo o anúncio e vejo
Em forma de desejo o sabonete
Em forma de sorvete acordo e durmo
Na televisão

Creme dental, saúde, vivo num sorriso o paraíso
Quase que jogado, impulsionado no comercial

Só tomava chá
Quase que forçado vou tomar café
Ligo o aparelho vejo o Rei Pelé
Vamos então repetir o gol

E na rua sou mais um cosmonauta patrocinador
Chego atrasado, perco o meu amor
Mais um anúncio sensacional
Ponho um aditivo dentro da panela, a gasolina

Passo na janela, na cozinha tem mais um fogão
Tocam a campainha, mais uma pesquisa e eu respondo
que enlouquecendo já sou fã do comercial






           No Festival da Globo, as músicas engajadas já começam a perder seu espaço gradativamente. A Vencedora do IV FIC foi “Cantiga por Luciana”, do paraense Edmundo Souto e Paulinho Tapajós.




Cantiga para Luciana
(Edmundo Souto/Paulinho Tapajós)



Manhã no peito de um cantor
cansado de esperar só.
Foi tanto tempo que nem sei
das tardes tão vazias
por onde andei.

Luciana, Luciana,
sorriso de menina
dos olhos de mar...
Luciana, Luciana
abrace essa cantiga
por onde passar.

Nasceu na paz de um beija-flor,
em verso, em voz de amor,
já desponta, aos olhos da manhã,
pedaços de uma vida
que abriu-se em flor.


  


  




        No ano de 1970, já havia se implantava um certo clima de ufanismo, de amor à pátria, imposto pela Ditadura Militar. No V FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO (FIC), algumas músicas importantes músicas engajadas que despontaram naquele Festival ficaram para traz, como "Feira Moderna" (Beto Guedes / Fernando Brant), Universo no teu Corpo" (Taiguara), "Um Abraço Terno em Você, Viu Mãe" (Gonzaguinha). Estas deram lugar à temas mais animados ou ‘patrióticos’ como "O Amor É o Meu País" (Ivan Lins / Ronaldo Monteiro de Souza) e BR-3 (Antônio Adolfo e Tibério Gaspar). 






BR-3 
(Antônio Adolfo e Tibério Gaspar)

A gente corre na BR-3
A gente morre na BR-3
Há um foguete
Rasgando o céu, cruzando o espaço
E um Jesus Cristo feito em aço
Crucificado outra vez
E a gente corre na BR-3
E agente morre na BR-3
Há um sonho
Viagem multicolorida
Às vezes ponto de partida
E às vezes porto de um talvez
E a gente corre na BR-3
E a gente morre na BR-3
Há um crime
No longo asfalto dessa estrada
E uma notícia fabricada
Pro novo herói de cada mês












O Amor é o Meu País
(Ivan Lins e Ronaldo Monteiro)

Eu queria, eu queria, eu queria
Um segundo lá no fundo de você
Eu queria, me perdera, me perdoa
Por que eu ando à toa
Sem chegar
Tão mais longe se torna o cais
Lindo é voltar
É difícil o meu caminhar
Mas vou tentar
Não importa qual seja a dor
Nem as pedras que eu vou pisar
Não me importo se é pra chegar
Eu sei, eu sei
De você fiz o meu País
Vestindo festa e final feliz
Eu vi, eu vi
O amor é o meu País
E sim, eu vi
O amor é o meu País













Universo do Teu Corpo
(Taiguara)


Eu desisto
Não existe essa manhã que eu perseguia
Um lugar que me dê trégua ou me sorria
E uma gente que não viva só pra si

Só encontro
Gente amarga mergulhada no passado
Procurando repartir seu mundo errado
Nessa vida sem amor que eu aprendi

Por uns velhos vãos motivos
Somos cegos e cativos
No deserto do universo sem amor

E é por isso que eu preciso
De você como eu preciso
Não me deixe um só minuto sem amor

Vem comigo
Meu pedaço de universo é no teu corpo
Eu te abraço corpo imerso no teu corpo
E em teus braços se unem em versos à canção

Em que eu digo
Que estou morto pra esse triste mundo antigo
Que meu porto, meu destino, meu abrigo

São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos

Vem, vem comigo
Meu pedaço de universo é no teu corpo
Eu te abraço corpo imerso no teu corpo
E em teus braços se unem em versos a canção

Em que eu digo
Que estou morto pra esse triste mundo antigo
Que meu porto, meu destino, meu abrigo
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos.












Feira Moderna
(Beto Guedes / Fernando Brant)

Tua cor é o que eles olham, velha chaga
Teu sorriso é o que eles temem, medo, medo
Feira moderna, o convite sensual
Oh! telefonista, a palavra já morreu
Meu coração é novo
Meu coração é novo
E eu nem li o jornal
Nesta caverna, o convite é sempre igual
Oh! telefonista, se a distância já morreu
Indepedência ou morte
Descansa em berço forte
a paz na terra, amém 














Um Abraço Terno em Você, Viu Mãe?
(Gonzaguinha)


Eu olhei a terra ardendo
Qual a fogueira de São João...

Sobre as cabeças, na fumaça desses aviões fenomenais
Sob mil pés, o terremoto de expansões industriais
É o progresso em nossa mão - viva a civilização!
Um abraço terno em você, viu, mãe?

Nas avenidas as buzinas gritam alto a nova explosão
Numa vitrine está à mostra seu novo tipo de coração
É o progresso em nossa mão - Viva a civilização!
Um abraço terno em você, viu, mãe?

É, mas eu não sei se esse ano vai chover ou não no meu sertão
Eu não sei se vou poder ficar ou pegar um caminhão
Meu Padim Ciço, minha devoção
Dê-me o seu braço imenso, sua proteção

É que eu não sei de nada, nada desse mundo seu
Eu só sei da vida crua que esse chão duro me deu
Meu cavalo aboio, minha sela e
meu gibão
E o abraço terno de você, viu, mãe?

Entre as paredes acabadas dessa nova construção piramidal!
Minha sanfona geme rindo a alegria triunfa!
É o progresso em nossa mão - Viva a civilização!
Um abraço terno em você, viu, mãe?

Eu olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João...
Viu, mãe? Viu, mãe?








           Os grandes nomes da MPB como Chico Buarque, Caetano Veloso e Edu Lobo estavam de volta do exílio, mas a Ditadura continuava com a perseguição aos artistas.
            O FIC, já estava perdendo o prestígio, então resolveram convidar de novo os principais compositores da MPB. Porém estes compositores já estavam marcados pela censura. O então diretor do festival, Gutemberg Guarabyra, que era um tanto chegado nesta turma, resolveu arriscar e planejou uma nova regra para burlar os censores, consistia em fazer com que doze grandes compositores, dentre eles, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Edu Lobo, Sérgio Ricardo, Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle e Chico Buarque. Eles até aceitaram no começo e resolveram se inscrever, mas logo depois renunciaram em protesto contra a censura e as manipulações já corriqueiras neste festival.
            Sem os grandes nomes, as canções que se destacaram neste festival foram:






Kyriê
(Trio Ternura)


Se eu não merecer o seu amor
Juro que vou ser um sofredor
Meu Deus não quis me dar a glória de poder amar
Só você com fé e com devoção.

Se em meu caminho um outro amor
Não quiser chegar, sozinho eu vou
Sou peregrino e sei que o dia vai chegar
(eu sei, vai chegar pra ver...)
O amor à catedral
(catedral...)
E nós dois num só olhar
Talvez, recobertos pela luz,
Felicidade enfim !

Mas se a via-crúcis que eu fizer
(mas se a via-crúcis que eu fizer...)
Não tiver a força pra mudar,
(não tiver a força p?ra mudar...)
O meu destino eu vou ter que aceitar
Pedindo a você que reze por mim, meu bem.

Oh, meu amor
Por piedade
Oh, meu amor
Livre-me do mal também
Mate esta saudade
Amém ! 











Casa no Campo
(Tavito/Zé Rodrix)

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais



  




          As músicas de intervenção iam perdendo foco nos festivais, graças também ao boicote contra a censura alavancado pelos principais compositores engajados da época. No Festival de 72, ainda apareceram algumas exceções e surgiam e se sobressaiam alguns talentos como Raul Seixas e Walter Franco. As músicas engajadas de mais destaque neste festival:






Fio Maravilha
(Jorge Ben Jor)

E novamente ele chegou
Com inspiração
Com muito amor, com emoção, com explosão em gol
Sacudindo a torcida aos 33 minutos
Do segundo tempo
Depois de fazer uma jogada celestial em gol

Tabelou, driblou dois zagueiros
Deu um toque driblou o goleiro
Só não entrou com bola e tudo
Porque teve humildade em gol

Foi um gol de classe onde ele mostrou
Sua malícia e sua raça
Foi um gol de anjo um verdadeiro gol de placa
Que a galera agradecida assim cantava

Foi um gol de anjo um verdadeiro gol de placa
Que a galera agradecida assim cantava

Fio maravilha,
Nós gostamos de você
Fio maravilha,
Faz mais um pra gente ver

Fio maravilha,
Nós gostamos de você
Fio maravilha,
Faz mais um pra gente ver





Diálogo (Baden Powell / Paulo Cesar Pinheiro)






















Viva Zapátria
(Sirlan)

Esse meu sangue fervendo de amor
Aterrissam falcões, onde estou?
Carabinas, sorriso, onde estou?
Um compromisso a sirene chamou
Duplicatas, meu senso de humor
Se perdeu na cidade onde estou.
Viva Zapátria, saudou esse meu senhor
Beijos, abraços, ano um chegou
Salve Zapátria, ê, viva Zapátria, ê
Esta cidade foi uma herança só.
Viva Zapátria, saudando o senhor
Horizonte aberto onde estou
Esta América mãe onde estou





            A canção “Viva Zapátria!”, que ganhou uma ‘menção honrosa’ no Internacional da Canção em 1972, foi uma canção cheia de entraves. A começar pelo título audacioso que faz alusão proposital ao Revolucionário mexicano, mas que se encaixava em outras interpretações fonéticas como: “Vivas à Pátria”, “Viva a Pátria”, “Vivas Pátria”, etc.
            Quando a música foi selecionada para o Festival, teve que passar por censura prévia. Os autores Murilo Antunes e Sirlan Antônio de Jesus tiveram que ir ao Rio de Janeiro prestar esclarecimento à Polícia Federal a respeito do conteúdo da Letra da canção. Antes do interrogatório, o autor Murilo Antunes ainda foi pedir conselhos ao Chico Buarque que já estava se habituando a enfrentar este tipo de situação.
            Já ‘preparado’, Murilo foi até a mesa dos censores, onde havia seis homens e duas mulheres, que foram logo perguntando sobre o título da obra. Murilo respondeu: “Isso é porque eu fiz essa música de um filme que eu assisti chamado ‘Viva Zapata!’, e eu não queria imitar o nome do filme, porque eu não queria começar minha carreira plagiando. Por isso que eu fiz esse trocadilho com a pátria, pra ficar diferente do original”. Depois disso, começaram a saltar perguntas sobre o MR-8, Polopi, FP,(siglas de movimentos revolucionários); etc.. Apesar de conhecê-los, o autor disfarçava com o sotaque caipira tentando passar uma certa ingenuidade, mesmo assim, insistiam e perguntavam nome de pessoas envolvidas nesses movimentos que ele também conhecia, mas continuava disfarçando e tentava voltar ao assunto do filme que ele havia blefado como inspirador de sua canção.
            Até que, uma censora que era fã de Marlon Brando (Astro do filme “Viva Zapata!”) acabou se deixando levar pela conversa e abrindo o caminho para a liberação da música.
            Mesmo com a liberação, os dois compositores ainda enfrentaram muitas dificuldades com a censura, porque depois que haviam sido enganados no festival, passaram a censurar tudo que eles mandavam. O mais prejudicado foi Sirlan, que assinou com a Som Livre, mas não conseguia lançar o disco, pois censuraram aproximadamente 35 músicas, o que atrasou o lançamento em três anos e o arranjador e grande interprete de “Viva Zapátria” não conseguiu ‘pegar o embalo’ do sucesso que obtinha no Festival. Quando finalmente conseguira lançar o disco, ninguém mais se lembrava dele, outra carreira de um grande artista que infelizmente fora destruída pela Ditadura Militar...


















Cabeça
(Walter Franco)

Que é que tem nessa cabeça irmão
que é que tem nessa cabeça, ou não.
Que é que tem nessa cabeça saiba irmão
que é que tem nessa cabeça saiba ou não.
Que é que tem nessa cabeça saiba que ela não pode irmão
que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode ou não.
Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode explodir irmão











Eu quero é botar meu bloco na rua
(Sergio Sampaio)

Há quem diga que eu dormi de touca
Que eu perdi a boca
Que eu fugi da briga
Que eu cai do galho e que não vi saída
Que eu morri de medo quando o pau quebrou
Há quem diga que eu não sei de nada
Que eu não sou de nada e não peço desculpas
Que eu não tenho culpa
Mas que eu dei bobeira
E que Durango Kid quase me pegou
Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Ginga pra dar e vender
Eu por mim queria isso e aquilo
Um quilo mais daquilo
Um grilo menos nisso
É disso que eu preciso
Ou não é nada disso
Eu quero é todo mundo nesse carnaval
Eu quero é botar meu bloco na rua...
Há quem diga que eu dormi de touca...
Há quem diga que eu não sei de nada...
Eu quero é botar meu bloco na rua..













Let Me Sing, Let Me Sing
(Raul Seixas)

Uah-bap-lu-bap-lah-bein-bum!!!

Let me sing, let me sing
Let me sing my rock'n'roll
Let me sing, let me swing
Let me sing my blues and go, say

Não vim aqui tratar dos seu problemas
O seu Messias ainda não chegou
Eu vim rever a moça de Ipanema
E vim dizer que o sonho
O sonho terminou
Eu vim rever a moça de Ipanema
Ei dizer que o sonho
O sonho terminou

Let me sing, let me sing
Let me sing my rock'n'roll
Let me sing, let me swing
Let me sing my blues and go, say

Tenho 48 quilo certo
48 quilo de baião
Num vou cantar como a cigarra canta
Mas desse meu canto eu não lhe abro mão
Num vou cantar como a cigarra canta
Mas desse meu canto eu não lhe abro mão

Let me sing, let me sing
Let me sing my rock'n'roll
Let me sing, let me swing
Let me sing my blues and go, say

Não quero ser o dono da verdade
Pois a verdade não tem dono, não
Se o "V" de verde é o verde da verdade
Dois e dois são cinco, n'é mais quatro, não
Se o "V" de verde é o verde da verdade
Dois e dois são cinco, n'é mais quatro, não

Let me sing, let me sing
Let me sing my rock'n'roll
Let me sing, let me swing
Let me sing my blues and go, say

Num vim aqui querendo provar nada
Num tenho nada pra dizer também
Só vim curtir meu rockzinho antigo
Que não tem perigo de assustar ninguém
Só vim curtir meu rockzinho antigo
Que não tem perigo de assustar ninguém

Let me sing, Let me sing
Let me sing, my rock'n'roll
Let me sing, let me swing
Let me sing my blues and go, go!
Let me sing, Let me sing
Let me sing, my rock'n'roll
Let me sing, let me swing
Let me sing my blues and go












Mande Um Abraço Pra Velha
(Os Mutantes)

Já faz tempo pacas
Que eu não vinha aqui cantar no festival
Eu não vou ganhar, quem sabe até eu vou perder ou empatar

Nós não estamos nem aí
Nós queremos é piar
Nós estamos é aqui
E sua mãe onde é que está?

Mande um abraço pra velha
Diga pra ela se tratar

Você pensa que cachaça é água
Mas cachaça é água não
É não

Você pensa que eu estou brincando
Mas brincando eu não estou não
Estou não
Estou não












Eu sou eu, Nicuri é o Diabo
(Raul Seixas)


Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sei quem sou
E por onde vou
Eu sei quem sou
E por onde estou
Eu agüento a barra
Limpa ou da Tijuca
Se vou lá no fundo
Fundo a minha cuca
Cucaracha cha-cha-cha-cha
Mas...
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicucu é o didi
Eu sou eu, nicuri é o diabo
E que diabo!
Kid-abo
Kid-Colt
Kid-Ringo
Kid-Jingo
Kid-Jango
E por falar nisso
Kid-Jango
E por falar nisso
Kid-Jango
E quem souber disso
Que me cante um tango:
Que el mundo fué y será una porquería
ya lo se, en el 510
y en el 2000 tambiém...
Mas...
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o diabo
Eu sou eu, nicuri é o didi
Eu sou eu, nicuri é o diabo






               Este era o fim do FIC e o principio do fim para os festivais de música popular brasileira, que só voltariam a ser realizados novamente em 1975. Com o visível e gradativo enfraquecimento dos festivais entre os anos de 75 e 1982, era cada vez mais raro surgir um artista engajado na competição. Mesmo assim, ainda se mantinha um certo padrão de qualidade em um número considerável de canções neste período:










Muito Tudo
(Walter Franco)

Existe João
existe John
existe
Existe John
existe João
existe
Apesar de tudo
é muito leve
Apesar de muito
é tudo leve
Pensa que eu
acredito pensa
que eu acredito
pensa
Pensa que eu
acredito pensa
que eu acredito
pensa...






A morte do Chico Preto
(Geraldo Filme)

Na morte de Chico Preto houve muita tristeza no arraial
Ele era cumpadre de todos, não havia criança pagã no local
Os grandes rezavam excelência,
As crianças chamando o padrinho a chorar
Era mestre em bezendura, curava quebrando
de doce queimadura, picada de cobra não soube curar
Nós "estava" na lavoura, pra ganhar algum dinheiro
Urutu tava na moita, Urutu tava na moita e picou meu companheiro
A cumadre Dona Benta ele deixou como herança
um banquinho, uma esteira e também quatro crianças
Três machos barrigudinhos, muringa e um violão
que Chico Preto tocava sob o luar do sertão
Deixou também Maria a pobre e triste menina
Tão pequenina a coitada mas já tem a sua sina
Vocês é que nada sabem do que vai pelo sertão
Menina quando é bonita é presente pro filho do patrão.








Vou Danado Pra Catende
(Alceu Valença)

Ai
Telminha
Ouça esta carta
Que eu não escrevi
Por aqui
Vai tudo bem
Mas eu só penso
Um dia em voltar
Ai
Telminha
Veja a enrascada
Que fui me meter
Por aqui
Tudo corre tão depressa
As motocicletas se movimentando
Os dedos da moça
Datilografando
Numa engrenagem
De pernas pro ar
Eu quero um trem
Eu preciso de um trem
Eu vou danado pra Catende
Vou danado pra Catende
Vou danado pra Catende
Com vontade de chegar
E o sol é vermelho
Como um tição
Eu vou danado pra Catende
Vou danado pra Catende
Vou danado pra Catende
Com vontade de chegar
Mergulhão, mucambos, moleques, mulatos
vêm ve-los passar
Adeus, adeus, adeus
Adeus morena do cabelo cacheado
Maribondo sai da mata
Que lá é casa das caiporas
Caiporas, caiporas, caiporas













Quem me Levará sou eu
(Fagner)

Amigos a gente encontra
O mundo não é só aqui
Repare naquela estrada
Que distância nos levará
As coisas que eu tenho aqui
Na certa terei por lá
Segredos de um caminhão
Fronteiras por desvendar
Não diga que eu me perdi
Não mande me procurar
Cidades que eu nunca vi
São casas de braços a me agasalhar
Passar como passam os dias
Se o calendário acabar
Eu faço contar o tempo outra vez, sim
Tudo outra vez a passar
Não diga que eu fiquei sozinho
Não mande alguém me acompanhar
Repare, a multidão precisa
De alguém mais alto a lhe guiar
Quem me levará sou eu
Quem regressará sou eu
Não diga que eu não levo a guia

De quem souber me amar





Canalha
(Walter Franco)

É uma dor canalha
Que te dilacera
É um grito que se espalha
Também pudera
Não tarda nem falha
Apenas te espera
Num campo de batalha
É um grito que se espalha
É uma dor
Canalha








A Massa
(Raimundo Sodré)

A dor da gente é dor de menino acanhado
Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar
Que salta aos olhos igual a um gemido calado
A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar
Moinho de homens que nem jerimuns amassados
Mansos meninos domados, massa de medos iguais
Amassando a massa a mão que amassa a comida
Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais

Quando eu lembro da massa da mandioca mãe, da massa
When I remember of "massa" of manioc
Nunca mais me fizeram aquela presença, mãe
Da massa que planta a mandioca, mãe
A massa que eu falo é a que passa fome, mãe
A massa que planta a mandioca, mãe
Quand je rappele de la masse du manioc, mére
Quando eu lembro da massa da mandioca
Lelé meu amor lelé no cabo da minha enxada não conheço "coroné"
Eu quero mas não quero (camarão). Minha mulher na função (camarão)
Que está livre de um abraço, mas não está de um beliscão
Torna a repetir meu amor: ai, ai, ai!
É que o guarda civil não quer a roupa no quarador
Meu Deus onde vai parar, parar essa massa
Meu Deus onde vai rolar, rolar essa massa











Miriam Miràh
(Lula Barbosa / Vanderlei de Castro)


Mira num olhar
Um riacho, cacho de nuvem
No azul do céu a rolar...
Mira Ira, raça tupi,
Matas, florestas, Brasil.
Mira vento, sopra continente,
Nossa América servil,
Mira vento, sopra continente,
Nossa América servil...
Mira num olhar,
Um riacho, cacho de nuvem
No azul do céu a rolar...
Mira ouro, azul ao mar,
Fonte, forte de esperança,
Mira sol, canção, tempestade, ilusão,
Mira sol, canção, tempestade,
Ilusão...
Mira num olhar
Verso frágil tecido em fuzil,
Mescla morena,
Canela, cachaça, bela raça, Brasil.
Anana ira,
Mira ira anana tupi
Anana ira, anana ira
Mira Ira














Essa tal criatura
(Leci Brandão)

Tire essa bota
Pisa na terra
Rasgue essa roupa
Mostra teu corpo
Limpa esse rosto
Como a poeira
Seja essa cara
Sinta meu gosto
Morda uma fruta madura, lamba esse dedo melado
Transa na mais linda loucura, deixa a vergonha de lado
Corra no campo
Leva um tombo
Rala o joelho
Mata esta sede
Durma na rede
Sonha com a lua
Grita na praça
Picha as paredes
Ama na maior liberdade... abra, escancara esse peito
Clama! Só é linda a verdade, nua sem ser preconceito
Tire essa fruta
Lamba essa terra
Pisa as paredes
Sinta esse tombo
Rala esse rosto
Transa com a lua
Morda essa cara
Linda, tão nua...
Faça da vergonha, loucura... abra, escancara a verdade
E ama essa tal criatura que envergonhou a cidade







Verde
(Eduardo Gudin e José Carlos Costa Netto)


Quem pergunta por mim
Já deve saber
Do riso no fim
De tanto sofrer
Que eu não desisti
Das minhas bandeiras
Caminho, trincheiras, da noite
Eu, que sempre apostei
Na minha paixão
Guardei um país no meu coração
Um foco de luz, seduz a razão
De repente a visão da esperança
Quis esse sonhador
Aprendiz de tanto suor
Ser feliz num gesto de amor
Meu país acendeu a cor
Verde, as matas no olhar, ver de perto
Ver de novo um lugar, ver adiante
Sede de navegar, verdejantes tempos
Mudança dos ventos no meu coração
Verdejantes tempos
Mudança dos ventos no meu coração









Mais Uma Boca
(Fátima Guedes)

Quem de vocês se chama João?
Eu vim avisar, a mulher dele deu a luz
sozinha no barrac
ão.
E bem antes que a dona adormecesse
o cansa
ço do seu menino
pediu que avisasse a um Jo
ão
que bebe nesse bar,
me disse que aqui toda noite
é que ele se embriaga.
Quem de vocês se chama esse pai
que faz que n
ão me escuta?
É o pai de mais uma boca,
o pai de mais uma boca.
Vai correndo ver como ela está feia,
vai ver como está cansada
e teve o seu filho sozinha sem chorar, porque
a dor maior o futuro é quem vai dar.
A dor maior o futuro é quem vai dar.
E pode tratar de ir subindo o morro
que se ela n
ão teve socorro
quem sabe a sua presen
ça
devolve a dona uma ponta de esperan
ça.
Reze a Deus pelo bem dessa crian
ça
pra que ela n
ão acabe como os outros
pra que ela n
ão acabe como todos
pra que ela n
ão acabe como os meus















Bandolins
(Oswaldo Montenegro)


Como fosse um par que
Nessa valsa triste
Se desenvolvesse
Ao som dos bandolins
E como não,
E por que não dizer
Que o mundo respirava mais
Se ela apertava assim?
Seu colo como
Se não fosse um tempo
Em que já fosse impróprio
Se dançar assim
Ela teimou e enfrentou
O mundo
Se rodopiando ao som
Dos bandolins
Como fosse um lar
Seu corpo à valsa triste
Iluminava e à noite
Caminhava assim
E como um par
O vento e a madrugada
Iluminavam à fada
Do meu botequim
Valsando como valsa
Uma criança
Que entra na roda
A noite tá no fim
Ela valsando
Só na madrugada
Se julgando amada
Ao som dos bandolins.
















Planeta Água
(Guilherme Arantes)

Água que nasce na fonte
Serena do mundo
E que abre um
Profundo grotão
Água que faz inocente
Riacho e deságua
Na corrente do ribeirão...
Águas escuras dos rios
Que levam
A fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população...
Águas que caem das pedras
No véu das cascatas
Ronco de trovão
E depois dormem tranqüilas
No leito dos lagos
No leito dos lagos...
Água dos igarapés
Onde Iara, a mãe d'água
É misteriosa canção
Água que o sol evapora
Pro céu vai embora
Virar nuvens de algodão...
Gotas de água da chuva
Alegre arco-íris
Sobre a plantação
Gotas de água da chuva
Tão tristes, são lágrimas
Na inundação...
Águas que movem moinhos
São as mesmas águas
Que encharcam o chão
E sempre voltam humildes
Pro fundo da terra
Pro fundo da terra...
Terra! Planeta Água
Terra! Planeta Água
Terra! Planeta Água...
Água que nasce na fonte
Serena do mundo
E que abre um
Profundo grotão
Água que faz inocente
Riacho e deságua
Na corrente do ribeirão...
Águas escuras dos rios
Que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população...
Águas que movem moinhos
São as mesmas águas
Que encharcam o chão
E sempre voltam humildes
Pro fundo da terra
Pro fundo da terra...
Terra! Planeta Água
Terra! Planeta Água
Terra!
Planeta Água...












           Porto Solidão(Zeca Bahia e Ginko) 

















Agonia
(Mongol)

Se fosse resolver
iria te dizer
foi minha agonia
Se eu tentasse entender
por mais que eu me esforçasse
eu não conseguiria
E aqui no coração
eu sei que vou morrer
Um pouco a cada dia
E sem que se perceba
A gente se encontra
Pra uma outra folia
Eu vou pensar que é festa
Vou dançar, cantar
é minha garantia
E vou contagiar diversos corações
com minha euforia
E a amargura e o tempo
vão deixar meu corpo,
minha alma vazia
E sem que se perceba a gente se encontra
pra uma outra folia








                                        Condor
                                          Oswaldo Montenegro
















Fato Consumado
(Djavan)

Eu quero ver
Você mandar na razão
Prá mim não é
Qualquer notícia
Que abala o coração...(4x)
Se toda hora é hora
De dar decisão
Eu falo agora
No fundo eu julgo o mundo
Um fato consumado
E vou-me embora
Não quero mais
De mais a mais
Me aprofundar
Nessa história
Arreio os meus anseios
Perco o veio
E vivo de memória...
Eu quero é viver em paz
Por favor me beija a boca
Que louca, que louca!...(2x)
Se toda hora é hora
De dar decisão
Eu falo agora
No fundo eu julgo o mundo
Um fato consumado
E vou-me embora
Não quero mais
De mais a mais
Me aprofundar
Nessa história
Arreio os meus anseios
Perco o veio
E vivo de memória...
Eu quero é viver em paz
Por favor me beija a boca
Que louca, que louca!.






              Assim, depois deste período de efervescência cultural que foi da “Era dos Festivais”, a quantidade de músicas engajadas e a foi diminuindo gradativamente, muito por conta do processo de massificação cultural que já trazia consigo neste período a ideologia dominante de alienação e conformismo.
            No chamado ‘período de redemocratização, a mídia fazia questão de propagar que o clima já estava mais ‘ameno’ e que a esperança de paz já estava se concretizando. A arte, mesmo que inconscientemente, começava a refletir este momento, a canções estavam cada vez mais ‘desleixadas’ e desprendidas com a realidade do país.
            Porém no fim dos anos 80 e nos anos 90, ainda se mantinham os cantores consagrados que continuaram se preocupando com a realidade brasileira e com os rumos que o país estava tomando, além do surgimento de alguns músicos, em destaque no rock, que compunham letras empenhadas na contestação política.









Comportamento Geral
(Gonzaguinha)

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
E um Fuscão no juízo final
Você merece, você merece
E diploma de bem comportado
Você merece, você merece
Esqueça que está desempregado
Você merece, você merece









                                   Classe Média
                            Max Gonzaga                                                                           







                                                          Suburbio
                                (Chico Buarque)















           Renato Russo foi um grande nome do Rock brasileiro nos anos 80, com suas letras poéticas e muitas delas críticas da realidade. No início da carreira ele flanava no meio Punk, na sua primeira banda se chamada “Aborto Elétrico”, nome que faz alusão aos cassetetes elétricos recém-adotados pela polícia da época da Ditadura. Numa das ‘famosas’ batidas policiais, uma menina que estava grávida levou uma ‘cacetada’ e perdeu a criança.

         Renato compôs uma leva de músicas ásperas e contestadoras, dentre elas está “Veraneio Vascaína”, uma crítica velada a esta polícia.
         "Veraneio Vascaína" é uma referência à viatura mais comum à polícia da época, a Chevrolet Veraneio, pintada nas cores branca, preta, cinza e vermelho, por acaso as mesmas do brasão do clube Vasco da Gama. 
         Naquele tempo da ‘redemocratização’, o ainda estudante universitário Renato, teve uma série de problemas com a polícia, em uma de suas colisões com os repressores veio a ‘inspiração’ para a música, foi depois de uma ‘rockonha’(festa embalada por maconha e rock and roll em um sítio de Brasília) que aconteceu o episódio. Renato já chegou na festa literalmente com as mãos para cima, a polícia já sabendo da festa, armou uma emboscada e foi prendendo todo mundo, menos os filhos de militares que ali estavam.
         Este incidente foi traumático para Renato pela repressão e truculência dos policiais, principalmente contra os menores que foram a festa, como ele mesmo relata: “Foi uma coisa psicologicamente muito ruim. Mas quem sofreu mesmo foram menores. Abusaram mesmo! Os pais iam lá pegar as garotas e eles falavam: "Sua filha é uma piranha, andando com maconheiros!" Aquelas menininhas de 13 anos chorando, chorando, chorando... Foi horrível! Aí fizemos "Veraneio Vascaína". 







Veraneio Vascaína
(Capital Inicial)

Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados

Veraneio vascaína vem dobrando a esquina

Porque pobre quando nasce com instinto assassino
Sabe o que vai ser quando crescer desde menino
Ladrão pra roubar, marginal pra matar
Papai eu quero ser policial quando eu crescer

Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados

Veraneio vascaína vem dobrando a esquina

Se eles tem fogo em cima, é melhor sair da frente
Tanto faz, ninguém se importa se você é inocente
Com uma arma na mão boto fogo no país
E não vai ter problema eu sei estou do lado da lei

Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados

Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina








Que País É Esse?
(Legião Urbana)

Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?

No Amazonas, no Araguaia iá, iá,
Na baixada fluminense
Mato grosso, Minas Gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte o meu descanso, mas o
Sangue anda solto
Manchando os papeis e documentos fieis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?

Terceiro mundo, se foi
Piada no exterior
Mas o Brasil vai fica rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos indios num leilão
Que país é esse?
Que país é esse?





















Próximo Alvo
Ratos de Porão

Qual será o próximo alvo na Amérikkka ?
Qual será o próximo alvo da Amérikkka ?
Qual será o próximo alvo na Amérikkka ?
Qual será o próximo alvo da Amérikkka ?
Eu não sei ! Eu não sei !
Usinas nucleares
A nasa ou a disney world
Caos em todos os lugares
Pior que no World Trade Center !!!!
O telefone tocando...
Na bronca atendi e já fui falando
Qualé quié mano ?
Porque você ta me acordando ?
Era o fralda assustado :
- O mundo está acabando ! Arist ligue a tv, não fique aí marcando
Liguei não acreditei
As torres desmoronando...
As torres desmoronando...
As torres desmoronando...
As torres desmoronando...
As torres desmoronando...














            Hoje em dia a música já não ocupa um lugar de grande destaque como um meio de comunicação das aspirações populares. Alavancada pelo neoliberalismo, onde é intrínseca a ideia do Laissez-faire (deixai fazer, deixai ir, deixai passar), a Indústria Cultural vem fabricando ou se apropriando da Cultura de Massa e difundido, na vertente musical, apenas as concepções mais primárias e alienantes da vida cotidiana, como alusões ao sexo, dinheiro, mulheres, etc. E assim, deixando cada vez mais de lado as questões sociais e políticas de nossa realidade.
            Em contraste, enquanto houver opressão, haverá resistência. Logo, o núcleo musical ainda abarca artistas e estilos que se atrevem a questionar a realidade, como por exemplo, o grupo Racionais Mc’s, que narram e denunciam a situação de miséria e penúria do maior foco de injustiça e desigualdade da atualidade: a favela.
            Influenciados principalmente pela ideologia de Malcolm X, um grande líder político negro norte-americano que relatava sem medo o estado de calamidade em que viviam os afro-americanos e defendia em seu discurso radical e eloquente, a emancipação do negro perante o homem branco e, tempos depois com a sua evolução intelectual e política, passou defender a libertação dos afro-americanos através da luta revolucionária contra o capitalismo.
            Com suas letras fortes e contestadoras, o líder do grupo, ‘Manos Brown’, denuncia o descaso do Sistema e do Estado perante os negros e favelados, que graças as suas precárias circunstâncias de vida, acabam entrando no mundo do crime e, em seguida, são linchados, tanto fisicamente pela polícia, quanto moralmente, pela chamada ‘opinião pública’ difundida pela imprensa por intermédio de seus programas sensacionalistas vespertinos. Este nefasto círculo vicioso de opressão-repressão é sintetizado com maestria na poesia de alto nível do ‘Racionais’. 



          






Racionais Mc's
Capitulo 4 Versiculo 3

60% dos jovens de periferia
Sem antecedentes criminais
Já sofreram violência policial
A cada 4 pessoas mortas pela policia 3 são negras
Nas universidades brasileiras
Apenas 2% dos alunos são negros
A cada 4 horas um jovem negro morre violentamente em são paulo
Aqui quem fala é primo preto mais um sobrevivente...

Minha intenção é ruim esvazia o lugar
Eu tô em cima eu tô afim um dois pra atirar
Eu sou bem pior do que você tá vendo
Preto aqui não tem dó é 100% veneno
A primeira faz bum a segunda faz tá
Eu tenho uma missão e não vou parar
Meu estilo é pesado e faz tremer o chão
Minha palavra vale um tiro eu tenho muita munição
Na queda ou na ascensão minha atitude vai além
E tenho disposição pro mal e pro bem
Talvez eu seja um sádico, um anjo, um mágico,
Juiz ou réu um bandido do céu
Malandro ou otário, padre sanguinário,
Franco atirador se for necessário
Revolucionario, insano ou marginal
Antigo e moderno, imortal
Fronteira do céu com o inferno
Astral imprevisível, como um ataque cardiaco no verso
Violentamente pacífico, verídico
Vim pra sabotar seu raciocínio
Vim pra abalar seu sistema nervoso e sanguineo
Pra mim ainda é pouco da cachorro louco
Numero um dia terrorista da periferia
Uni-duni-te o que eu tenho pra você
Um rap venenoso ou uma rajada de pt
E a profecia se fez como previsto
1997 depois de cristo a furia negra resuscita outra vez
Racionais capítulo 4 versículo 3

Faz frio em são paulo pra mim tá sempre bom
Eu tô na rua de bombeta e moletom
Dim dim dom rap é o som que emana do opala marrom...
E ai chama o guilherme chama o fanho
Chama o dinho e o Di? Marquinho, chama o éder vamo ai...
Se os outros mano vem pela ordem tudo bem melhor
Quem é quem no bilhar no dominó
Colo dois mano um aceno pra mim
De jaco de cetim de tenis calca jeans
Ei brown sai fora nem vai nem cola
não vale ah pena da idéia nesse tipo ai
Ontem ah noite eu vi na beira do asfalto
Tragando ah morte soprando ah vida pro alto
Oh os cara só o pó pele e osso
No fundo do poço, mó flagrante no bolso
Veja bem ninguém é mais que ninguém
Veja bem, veja bem e eles são nossos irmaos também
Mar de cocaina e crack, whisky e conhaque
Os mano morre rapidinho sem lugar de destaque
Mas quem sou eu pra falar de quem cheira ou quem fuma? Nem dá
Nunca te dei porra nenhuma
você fuma o que vem entope o nariz
Bebe tudo que ve faça o diabo feliz
você vai terminar tipo o outro mano lah
Que era um preto tipo A ninguém tava numa
Mó estilo de calça kalvin klein tenis puma é
Um jeito humilde de ser no trampo e no rolê
Curtia um funk jogava uma bola
Buscava ah preta dele no portão da escola
Exemplo pra nóis mó moral mó ibope
Mais começo cola com os branquinho do shopping
Ai já era..I mano outra vida outro pique
só mina de elite, balada varios drinques,
Puta de butique, toda aquela porra sexo sem limite
Sodoma e gomorra...
Hã faz uns nove anos,
Tem uns dias atrás eu vi o mano
Se tem que ver pedindo cigarro pros tiozinho no ponto
Dente tudo zuado, bolso sem nenhum conto
O cara cheira mal as tias sente medo
Muito loco de sei lah o que logo cedo
Agora não oferece mais perigo
Viciado, doente, fudido, inofensivo
Um dia um P.M negro veio embaçar
E disse pra eu me pôr no meu lugar
Eu vejo um mano nessas condicoes não da
Será assim que eu deveria estar
irmão o demonio fode tudo ao seu redor
Pelo radio, jornal, revista e outdoor
Te oferece dinheiro, conversa com calma
Contamina seu carater, rouba sua alma
Depois te joga na merda sozinho
é tranforma um preto tipo A num neguinho
Minha palavra alivia sua dor, ilumina minha alma,
Louvado seja o meu senhor,
Que não deixa o mano aqui desandar
E nem senta o dedo em nenhum pilantra
Mais que nenhum filha da puta ignore a minha lei
Racionais capítulo 4 versículo 3

Quatro minutos se passaram e ninguém viu
O monstro que nasceu em algum lugar do brasil
Talvez o mano que trampa debaixo do carro sujo de óleo
Que enquadra o carro forte na febre com o sangue nos olhos
O mano que entrega envelope o dia inteiro no sol
Ou o que vende chocolate de farol em farol
Talvez o cara que defende o pobre no tribunal
Ou o que procura vida nova na condicional
alguém no quarto de madeira
Lendo ah luz de vela ouvindo radio velho
No fundo de uma cela ou
O da familia real de negro como eu sou
O príncipe guerreiro que defende o gol
E eu não mudo mais eu não me iludo
Os mano cú de burro tem eu sei de tudo
Em troca de dinheiro e um carro bom
Tem mano que rebola e usa até batom
Vários patrícios falam merda pra todo mundo rir
Haha pra ver branquinho aplaudir
é na sua área tem fulano até pior
Cada um cada um você se sente só
Tem mano que te aponta uma pistola e fala serio
Explode sua cara por um toca fita velho
Click plau plau plau e acabo sem dó e sem dor
Foda-se sua cor, limpa o sangue com ah camisa
E mande se fude você sabe porque pra onde vai pra que
Vai de bar em bar de esquina em esquina pega cinquenta conto
Troca por cocaina, enfim o filme acabo pra você
Ah bala não é de festim aqui não tem duble
Para os mano da baixada fluminense ah ceilandia eu sei
As ruas não são como ah disneylandia
De guaianases ao extremo sul de santo amaro
Ser um preto tipo a custa caro
é foda, foda é assistir ah propaganda e ver
não da pra ter aquilo pra você
Playboy forgado de brinco um troxa
Roubado dentro do carro na avenida reboucas
Correntinha das moca as madame de bolsa dinheiro
não tive pai não sou herdeiro
Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal
Por menos de um real minha chance era pouca
Mais se eu fosse aquele muleque de toca
que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca
De quebrada sem roupa você e sua mina
Um dois nem me viu já sumi na neblina
Mais não permaneço vivo prossigo a mística
Vinte e sete anos contrariando a estatística
Seu comercial de tv não me engana é
Eu não preciso de status nem fama
Seu carro e sua grana já não me seduz
E nem a sua puta de olhos azuis
Eu sou apenas um rapaz latino americano
Apoiado por mais de cinquenta mil manos
Efeito colateral que o seu sistema fez
Racionais capítulo 4 versículo 3




            Esta foi uma tentativa de mostras aos leitores internautas algumas opções de arte que não figuram no hall das paradas de sucesso da grande mídia. Espero que tenham gostado e, se tiverem algum outro exemplo deste tipo de arte, sintam-se à vontade para postar nos comentários.