domingo, 24 de dezembro de 2023

O PT não é um câncer, mas seu hegemonismo é...

 

Como tinha dito no meu canal (como as mais de trinta pessoas assistiram.. rs), eis aqui o texto sobre uma questão que, pra mim, é o entrave mais importante que o campo ‘progressista’ brasileiro deve superar: o hegemonismo simbólico e eleitoral do PT.

 

Para entender este fato, vamos à origem dele.

 

                                        


Durante o processo de ’redemocratização’ do Brasil, haviam duas forças no campo da ‘esquerda’ brasileira. Uma já consolidada antes do golpe de 1964, o Trabalhismo do antigo PTB, que posteriormente virou PDT e tinha como principal liderança Leonel Brizola; E uma emergente, agrupada na ampla frente de lideranças e movimentos sociais/sindicais - ‘radicais’ e ‘social-democratas’ - que fundaram os Partido dos Trabalhadores.

 

Neste processo, é fundamental destacar alguns fatos para elucidar o quanto o PT foi favorecido pela prória direita brasileira, em detrimento do PDT, no processo de fundação e legalização. Leonel Brizola era visto como o principal perigo aos militares e às elites econômicas do Brasil.

 

Já o Partido dos Trabalhadores nasceu, segundo o próprio General Golbery de Couto e Silva (então ministro da Casa Civil da Ditadura Militar) , para cumprir o papel de cooptar os setores progressistas a fim de que não representassem nenhum perigo, mudança ou questionamento ao modelo econômico vigente.

 

Repostarei algumas matérias e entrevistas a seguir, onde podemos notar estes fatos que favoreceram o hegemonismo do PT durante o processo de redemocratização do país:

 

Matéria do Brasil Independente:

 

Lula (PT) x Brizola (PDT) – O processo de abertura da Ditadura Militar foi um momento de extrema importância na consolidação do projeto autoritário de Estado que hoje rege o Brasil, repleto de vestígios da repressão e com um organograma político extremamente inacessível e antidemocrático. Até hoje sofremos com a falta de soberania popular no país, e um das peças mais essenciais desse programa foi a Reforma Partidária de 1979, empreendida pelo governo Geisel.

Entre as figuras desse projeto, nenhuma se destaca mais que o general Golbery de Couto e Silva, ideólogo da Ditadura e responsável pela estruturação da Doutrina de Segurança Nacional. Então presidente da Casa Civil, Golbery foi o articulador do multipartidarismo brasileiro, e um dos principais nomes que propulsionaram o nascimento do Partido dos Trabalhadores, por onde Lula ascendeu politicamente.

O programa de Golbery partia do diagnóstico de que o bipartidarismo já estava artificial e engessado para as vontades populares, tornando o regime instável. Então, era necessário dividir a oposição em núcleos conflitantes que apagassem a continuidade de arenistas e aliados do poder econômico no governo. Para isso, era necessário isolar as possíveis ameaças ao projeto liberal, sendo a principal delas o recém-retornado do exílio Leonel Brizola.

 

Trabalhismo como maior inimigo

O trabalhismo de Brizola ameaçava o projeto de poder fundado na Ditadura, e para impossibilitar o velho gaudério, Golbery incentivou dois golpes políticos: o primeiro era tirar das mãos do caudilho seu partido, o PTB, capitalizando-o pessoalmente com Ivete Vargas; o segundo seria criar um segundo partido autodeclarado de esquerda mas que não oferecesse uma alternativa concreta que derrubasse o governo liberal e burocrático, fazendo nascer o PT.

É claro que o Partido dos Trabalhadores possui bases próprias e autônomas de nascedouro, principalmente ligadas às lutas sindicais do ABC paulista, e que vários integrantes da base do partido não possuíam nenhuma ligação com o Regime Militar. Porém, a alta cúpula do partido, que nasceu em 1980, se beneficiou dos objetivos da Ditadura para poderem fundamentar o nascimento da sigla da maneira como ela ocorreu historicamente.

Junto a essa articulação, que tirava Brizola do centro político à esquerda, incentivou-se o nascimento do PDS, do PMDB e do PP, que reorganizariam as forças reacionárias sob a máscara do renascimento democrático. Lula, por sua vez, começara a se articular com membros do regime, o sindicalista, que já havia participado da implosão de algumas greves, saía beneficiado.

 

 

Década de 80

Em 1980, ano de nascimento do PT, Golbery deu um discurso à Escola Superior de Guerra em que traçou a armação do jogo político dos anos seguintes, chegando a fazer referências a Lula: era claro o compromisso com a capitalização da oposição e o controle da esquerda.

Para ele, era necessário oficializar os grupos partidários, pois a redução da liberdade política criaria organizações extrapolíticas ameaçadoras, como foi a guerrilha. Era necessário fazer nascerem alguns partidos que se limitassem a agir como partidos, facilitando o controle sobre os antirregimentais.

Nesse discurso, Golbery enquadra Lula como membro da “ala esquerdista da Igreja”, em referência às Comunidades Eclesiais de Base. Para ele, Lula era um autêntico líder sindical, consideravelmente despolitizado e “sem revanchismo ideológico”. A única decepção do general seria o desvio do metalúrgico dos temas laborais, no sentido de uma politização. Porém, é em Lula que se via a figura de uma esquerda controlável e alinhável.

 

 

Cumplicidade

Lula, inclusive, teria compreendido o projeto de Golbery e ingressado conscientemente nele para fins de benefício próprio. Numa situação em que a esquerda estava fragmentada em diversos grupos e projetos, a aglutinação partidária capitalizada pelo general Golbery (que, ao mesmo tempo, criou uma oposição ao comunismo e ao trabalhismo) legitimou a figura política do líder sindical.

Com a aprovação de Golbery, então, Lula reestruturou a rede de greves dos sindicatos do ABC, se distanciando do programa originalmente comunista, pautado na lógica da Luta de Classes e tendo como o alvo o “capital”, criando um novo sindicalismo que tornava o corporativismo varguista obsoleto: agora a greve era política e se resolvia com a negociação com o patrão, em que os líderes poderiam sair com benesses.

Com o apagamento da força política brizolista e a criação de uma orfandade de líderes na esquerda, o carismático Lula se tornou peça fundamental da modernização do sistema político brasileiro, como planejava o general Golbery.

O nascimento e o crescimento do PT possibilitaram o aglutinamento de projetos políticos pragmáticos que fugiram do espectro clássico da esquerda. Peça essencial do programa da Abertura, o Partido dos Trabalhadores impediu a ascensão de um projeto concreto de mudança econômica e política, lançando ao escanteio as figuras poderosas de Prestes e Brizola, que representavam mudanças radicais.

 

Entrevista da Folha de SP com Leonel Brizola.

 

Folha – O sr. costuma dizer que houve uma associação entre setores petistas e militares para esvaziar o trabalhismo. Na sua opinião isto foi consciente por parte do PT?


Brizola – Admito que foi inconsciente por parte deles, mas, a partir de certo ponto, eles gostaram. Tudo foi idéia do Golbery (general Golbery do Couto e Silva, um dos ideólogos do regime militar).
O PT é uma espécie de prolongamento de muitas ONGs (Organizações Não-Governamentais) internacionais, a começar por aquelas ligadas à igreja. A própria teologia da libertação foi uma impostura, funcionou como cimento, como tempero para este cozido que se chama PT.
Folha –
É verdade que, em 89, o sr. chegou a considerar Lula seu sucessor político?

Brizola – Cheguei a admitir em fortalecer a liderança dele. Mas depois vi que ali não estava uma liderança austera. Achei-o impreciso, indefinido, instável, despreparado. Passamos a ver nele graves problemas de caráter.


Folha –
É correto dizer que o PDT tem procurado se colocar à esquerda do PT?

Brizola – Não há dúvida que estamos à esquerda deles. Não dá para entender como é que correntes como o PSB e o PC do B admitem posições do PT em matéria de capital estrangeiro e privatizações.

 

 


 









 

O favorecimento e hegemonismo petista só se acentuou depois deste período. Além de Brizola, cada vez mais atacado - com alguns momentos de reconciliação - pelos petistas, outras lideranças de destaque sofreram perseguições: Luiz Carlos Prestes, Plinio de Arruda Sampaio, Heloísa Helena, Marina Silva, Ciro Gomes, etc.. Figuras de todos os espectros ideológicos do campo da esquerda brasileira, que em algum momento ameaçaram o protagonismo político/eleitoral do PT, foram difamados pelos petistas.

 

Enquanto isso, o neoliberalismo se manteve como modelo econômico, onde os governos petistas se limitaram a por em prática algumas políticas sociais compensatórias, não deixando de seguir a cartilha do FMI, não propondo nenhuma reforma estrutural e não desfazendo nenhuma das reformas que atacaram os direitos dos trabalhadores. Ou seja, o PT cumpriu e cumpre ainda muito bem o seu papel de manter seu hegemonismo e frear qualquer tentativa de mudança e contestação do sistema.

 

Tendo em vista isso, qualquer mudança política, econômica e estrutural que beneficie verdadeiramente quem não faz parte da elite brasileira, perpassa necessariamente pela luta contra este hegemonismo petista. Portanto, se faz necessário denunciar isto e formar ou apoiar novas lideranças independentess, favorecendo e dando espaço a outros ou novos partidos e lideranças de esquerda que questionem e não se submetam a esta cooptação.

 

Atualmente, há grupos e lideranças nesta linha, porém encontram-se dispersas e sectárias. Lideranças como Ciro Gomes, Jones Manuel, Nildo Ouriques, além de grupos dentro ou fora de partidos como PDT, PCB, PSol, etc.. 

Inclusive tem havido perseguições, rachas e até expulsões, onde os motivos perpassam por este dilema de compor ou não com o governo petista.

 

O ideal seria que estes grupos, mesmo que, em tese, distantes no campo ideológico, tentassem agrupar-se na realidade concreta. Tanto nas lutas e nas ruas, quanto no campo eleitoral. Já que, na prática - pelo menos quanto às críticas e soluções sob o viés político e econômico - convergem na maioria das vezes...

 

A questão é, o que impede esta aproximação?!

 

O projeto de Golbery continua dando certo...